quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Torres Vedras Há 120 anos, na Imprensa da Região - Outubro de 1889



Esse mês de Outubro de 1889 foi marcado pela morte do rei D. Luís, falecido no dia 19, sucedendo-lhe D. Carlos.

A notícia mereceu destaque nas páginas da imprensa local, A Semana, na sua edição nº 140 de 24 de Outubro e A Vinha de Torres Vedras , na sua edição de dia 26.
O mês foi igualmente marcado pelas eleições para o Parlamento, destacando a imprensa local os resultados do círculo de Torres Vedras, que elegia um representante:

Dr . Ignacio Emauz do Casal Ribeiro – 5783 votos;
Luciano Cordeiro – 740 votos;
José Abreu do Couto de Amorim Novaes - 131;
Caetano Pereira Sanches de Castro – 130;
Alberto António Moraes de Carvalho – 129;
Sebastião de Sousa Dantas Baracho – 97;
Dr. António Henriques da Silva – 52;
António Sousa Pinto Magalhães – 50;
Latino Coelho – 4;
Fuschini – 2.
(Fontes: A Semana nº 140 de 24 de Outubro de 1889 e Vinha de Torres Vedras, nº 143, de 26 de Outubro)

No total entraram 7 118 votos, pertencentes aos concelhos de Torres Vedras, onde votaram 5 047 eleitores, e do Sobral de Monte Agraço, onde votaram 2 071 eleitores, que formavam este círculo eleitoral.
Refere a Vinha… que a “opposição obteve votos: Na assembleia de Arruda e Cardosas 610, não dando nenhum voto ao dr. Casal Ribeiro; na de S. Thiago,da villa,251; no da Carvoeira, 171; na de S. Pedro da Cadeira, 91; no Maxial, 88; no Sobral e Arranhó, 79; no de S.Pedro, da villa, 35”
“Nas assembleias da Ribaldeira e Turcifal não houve opposição” ( Vinha de Torres Vedras, nº 143, de 26 de Outubro de 1889)
Comentava “A Semana” que a “votação do sr. Luciano Cordeiro, sobresae porque as assembleias da Arruda e Cardosas votaram de chapa esta lista, em número de 604” (A Semana, nº 140 de 24 de Outubro de 1889).
Luciano Cordeiro era o candidato pelo Partido Regenerador, então na oposição, enquanto Casal Ribeiro representava o Partido Progressista. Note-se ainda a votação em Latino Coelho, então representando os republicanos.
Num dos primeiros dias desse mês, no dia 8 de Outubro, abria o segundo ano de aulas da “Escola Pratica de Viticultura de Torres Vedras, instituída na Quinta da Viscondessa (Turcifal)” (A Semana, nº 138, 10 de Outubro de 1889).
A meio do mês as vindimas prosseguiam “ activamente em todo o nosso Concelho”, calculando-se “que a colheita é muito inferior à do anno passado, differença que se attribue não somente aos estragos produzidos pela phylloxera, mas a varias doenças, como o mildiú e outras, que atacaram as vinhas, e também às irregularidades do tempo” (Vinha de Torres Vedras, nº 141 de 12 de Outubro de 1889).
No Domingo 13 de Outubro teve lugar a “Festa de Nª Snrª do Rosário. Realizando-se na Igreja Matriz de S. Pedro, do seu programa constava, pelas “11 horas da manhã: missa e sermão, sendo orador o ver. Duarte do Rosário”. Pelas “4 horas da tarde” sermão e “Te-Deum”, sendo em seguida “ conduzida em procissão para a sua capella a Imagem de Nossa Senhora do Rosário”.
Para o efeito actuou um “Côro composto dos mais distinctos amadores da villa, e alguns d’outras localdades, é coadjuvado por artistas da capital, tendo por vozes os primeiros cantores da Sé, os sr.s Silva, Reis e Lisboa”.
À noite houve “illuminação com seis centos lumes e tijelinhas na fachada da Ermida do Rosário”, situada na “Praça Nova” “e o recinto da praça com balões à veneziana, executando a Fanfarra Recreativa Torreense, das 8 horas em diante” . (A Semana, nº 138 e nº 139, dos dias 10 e 17 de Outubro de 1889 e a Vinha de Torres Vedras de 12 e 19 de Outubro).

Na sua edição de 31 de Outubro de 1889, anunciava “A Semana” o regresso a Torres Vedras do “nosso hábil” fotografo Martinez Pozzal, que esperava “que lhe visitem o seu attelier” (A Semana, nº 141, de 31 de Outubro de 1889).

terça-feira, 27 de outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ORDENS DO DIA DE BERESFORD

Ver o 6º texto AQUI, no blogue PEDRAS ROLANTES

Há 40 anos - Torres Vedras e as eleiçõe "marcelistas" de 26 de Outubro de 1969



(fonte: Badaladas, 25 de Outubro de 1969)


Pouco mais de um ano depois de tomar posse como primeiro-ministro, ou, como se dizia então, como “Presidente do Conselho”, na sequência do agravamento da saúde de Salazar, Marcelo Caetano convocava eleições para a “Assembleia Nacional”.


Estas decorreram no dia 26 d Outubro de 1969. Vivia-se então em pleno clima de esperança de mudança no regime, a chama “Primavera Marcelista”. Contudo, até então as mudanças pouco mais eram que uma mudança de retórica ou de fachada.

A importância dessas eleições residiu principalmente numa tentativa d legitimação do “marcelismo” face à desconfiança dos “ultras” do regime. Uma das novidades foi a inclusão de um grupo de candidatos independentes nas listas da União Nacional, como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Miller Guerra, Pinto Leite, Magalhães Mota e Mota Amaral, entre outros, aquilo que se veio a tornar a chamada “ala liberal”.

Par Vasco Rato, “este acto eleitoral foi, seguramente, o mais livre realizado ao longo da história do Estado Novo. Assistiu-se à extensão limitada do sufrágio, inclusive às mulheres alfabetizadas, mas não se estava perante eleições verdadeiramente competitivas, genuinamente expressivas da vontade dos cidadãos. Apenas 10% da população constava dos cadernos eleitorais”, e destes, quase 40% não compareceram ao acto eleitoral. Além disso, “vedando o acesso à televisão, dificultando a consulta dos cadernos eleitorais, e tomando outras medidas que efectivamente não eram propícias ao estabelecimento de condições de igualdade, o regime não proporcionou à oposição uma possibilidade real d conquistar o poder” (RATO, Vasco, “marcelismo” in Dicionário de História de Portugal, vol. 8, ed. Figueirinhas, 1999, pp.421 a 427). Além disso, o sistema eleitoral não era proporcional, o vencedor do círculo eleitoral ficava com toda a representação.

A própria oposição, ao surgir dividida, facilitou a tarefa ao regime. De facto, para além do partido do regime, a oposição apareceu dividida em três dos distritos mais importantes, Lisboa, Porto e Braga.

No círculo eleitoral de Lisboa, onde se incluía o concelho de Torres Vedras, concorreram, patra além da União Nacional (UN), a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), conotada com a ala moderada da oposição (republicanos, socialistas e outros), a Comissão Democrática Eleitoral (CDE), conotada com a oposição comunista e parte da socialista e ainda a Comissão Eleitoral Monárquica (CEM), que representava a facção democrática dos monárquicos.

A nível nacional, a União Nacional obteve cerca de 86% dos votos (menos de 1 milhão de votos) e a oposição, no seu conjunto, não conseguiu obter mais de 12% dos votos (pouco mais de cem mil votos)(Fonte: “Badaladas”, 1 de Novembro de 1969).

Dos partidos da oposição, aquele que obteve mais votos foi o CDE, que concorreu em 19 distritos, obtendo quase todos os cem mil votos do conjunto da oposição. A CEUD, concorrendo apenas em três distritos, obteve cerca de vinte mil votos, e os monárquicos, que concorreram apenas no distrito de Lisboa, obtiveram pouco mais de mil votos.

A principal consequência destas eleições foi o reforço da legitimidade junto do regime de Marcelo Caetano, que a aproveitou para remodelar profundamente o governo em Janeiro do ano seguinte, apostando num conjunto de jovens tecnocratas , defensores da modernização da economia.

Contudo, em breve, muitas das esperanças depositadas no “marcelismo” acabariam por se revelar um logro.

Em Torres Vedras, reflexo da “abertura” marcelista foi a criação do Pelouro Cultural da Física, nesse anos de 1969, onde pontificavam figuras da oposição local, como Andrade Santos, António Augusto Sales, Ruy de Moura Guedes e Venerando Ferreira de Matos, entre outros, responsáveis pela edição, no jornal “Badaladas” do “Oeste-Cultural”, e pela organização de exposições e debates sobre vários temas.

Durante a campanha eleitoral realizaram-se comícios da CDE e da UN.

A sessão de “propaganda eleitoral” promovida pela CDE teve lugar no dia 18 de Outubro, um Sábado no Teatro-Cine Ferreira da Silva, que foi “demasiado pequeno para acolher as centenas de pessoas interessadas m assistir”.

O público, “enchia literalmente a sala, decorada com o cartaz da C.D.E. e dísticos”, e “aplaudiu frequentemente e com grande entusiasmo os candidatos oposicionistas que proferiram as suas alocuções num elevado ambiente de fervor patriótico e de civismo”.

A mesa, “que tinha por fundo a bandeira nacional”, era presidida pela Drª Maria Lucília Miranda Santos, ladeada pelos candidatos pelo círculo “Dr. Francisco Pereira de Moura e Engº Gomes da Silva”. Outros convidados , homens da oposição local e membros da comissão de apoio, ocupavam o palco: António Leal da Ascensão, Joaquim Augusto de Oliveira, João de Oliveira, Miguel Simões, Helder dos Santos Chá e Leonel Pereira Ferreira.

Foram oradores os dois candidatos, realizando-se apenas um pequeno intervalo, durante o qual “Fernando Teles leu a Declaração Universal dos Direitos do Homem”. A situação económico-social e a necessidade de uma reforma agrária foram os principais temas das intervenções. (in “Badaladas” de 25 de Outubro de 1969.

No dia 22 foi a vez da UN “promover uma sessão de propaganda eleitoral para apresentação dos seus candidatos ao círculo”.

Anunciava-se que usariam da palavra a Srª “D. Raquel Ribeiro” o”Dr. Ulisses Cortez”, o “Dr. Ricardo Horta” e “dois oradores locais”, assistindo ao mesmo comício o candidato Franco Nogueira. (in “Badaladas”, 18 de Outubro de 1969).

A comissão concelhia da UN tinha sido empossada em Maio desse ano, era presidida por Fernando Barros Leal, sendo vice-presidente o Engº Agrónomo Raul dos Santos, e tendo por vogais António Maria de Almeida Fernandes Vilela, António Maria de Sousa e António Gabriel Gomes. (in “Badaladas”, 31 de Maio de 1969).

Como se pode ver no quadro seguinte, com os resultados eleitorais registados neste concelho de Torres Vedras, publicado pelo jornal “Badaladas” de 1 de Novembro de 1969, é de salientar a abstenção que atingiu quase os 50%. Houve muitas freguesias onde essa abstenção ultrapassou bastante os 50%: em A-dos-Cunhados; em Campelos; na Carvoeira; no Ramalhal; em Stª Maria e S. Miguel; em S. Pedro e Santiago; no Turcifal.

Apesar de todos os condicionalismos, a oposição, principalmente a CDE, obteve bons resultados na principal freguesia urbana de Torres Vedras, S. Pedro e Santiago, chegando quas aos 30% dos votos expressos, obtendo ainda um resultado muito significativo em Monte Redondo e em Runa.



(Fonte: Badaladas, 1 de Novembro de 1969)

(clicar no quadro para ampliar)

domingo, 25 de outubro de 2009

Há 140 anos o Governo concedia autorização para instalar o Larmanjat




Passando hoje 140 sobre a concessão ao Duque de Saldanha para a instalação em Portugal do sistema Larmanjata, aproveitamos o pretexto para recordar aqui o primeiro projecto de caminho-de-ferro concretizado nesta região:


A primeira tentativa de introduzir de modernizar os transportes nesta região teve lugar em 1873, com a inauguração da ligação entre Torres Vedras e Lisboa em caminho de ferro monocarril, o chamado "Larmanjat".
Este tipo de transporte foi inventado pelo engenheiro francês Joseph Larmanjat, aparecendo pela primeira vez nas estradas francesas em 1868 e a cujas experiências assistiu o Duque de Saldanha que resolveu pedir o estabelecimento desse sistema de transporte para ligar Lisboa a Torres Vedras, com posterior ligação a Caldas da Rainha e Leiria, pedido autorizado por diploma governamental de 25 de Outubro de 1869, publicado em Diário do Governo de 29 desse mês (CASTRO, António Pais de Sande e, “O Caminho de Ferro Larmanjat”, in Arqueologia e História, 8ª série, volume III, Lisboa 1955, pp.77 a 97). Ironizava Angelina Vidal que trouxe “para Lisboa esta prenda o duque de Saldanha, que, não podendo já fazer bernardas, arranjou assim um meio indirecto para partir cabeças” (VIDAL, Angelina, Lisboa Antiga e Lisboa Moderna, 2ª edição, Vega, Lisboa (1ª ed. em 1900), p.290).
O "Larmanjat" foi visto como um caminho-de-ferro económico "pois circularia pelas estradas, não necessitando, por consequência, de caminho próprio. Tratava-se dum caminho de ferro monocarril, sendo a via constituída por carril central, ladeado por duas passadeiras de madeira, estando todo o conjunto pregado a travessas por cavilhas de ferro. As locomotivas e as carruagens tinham rodas centrais, que rodavam pelo carril, e rodas laterais, que rodavam pelas passadeiras" (CALLIXTO, Vasco, "O Lármanjat e a sua atribulada existência", in Boletim da C.P., nº 145, Janeiro de 1964, pp. 18-20, p.18).
Em 13 de Março de 1870 foi inaugurada em Portugal a primeira linha deste tipo, ligando Lisboa ao Lumiar. A 27 de Fevereiro 1872 a sua exploração foi concedida à inglesa "Companhia lisbonense a vapor por trilhos, limitada", que, aumentando o seu capital, construiu duas novas linhas, uma para Sintra e outra para Torres Vedras, sendo esta ultima inaugurada a 4 de Setembro de 1873.
Esta viagem iniciou-se às 6 horas e 25 minutos, num comboio formado por 4 carruagens de 1ª classe que chegou a Torres Vedras às 10 horas e 45 minutos, “tendo efectuado uma longa paragem em Freixofeira, onde um dos mais abastados lavradores da região ofereceu uma lauta merenda a todos os passageiros” (RODRIGUES, António (com Adão de CARVALHO), “Os primórdios dos Caminhos de Ferro em Portugal e o 1º Caminho de Ferro em Torres Vedras – O “Larmanjat”, in Toitorres Notícias, Janeiro/Fevereiro de 1996, pp.16 a 21, p. 20).
O serviço regular de passageiros nesta linha teve lugar dois dias depois, a 6 de Setembro.
A linha de Torres tinha as seguintes estações: Lisboa (nas portas do Rego (VIDAL, Angelina, ob. cit. p.290), Campo Pequeno, Campo Grande, Lumiar, Nova Sintra, Santo Adrião, Loures, Pinheiro de Loures, Lousa, Venda do Pinheiro, Malveira, Vila Franca do Rosário, Barras, Freixofeira, Turcifal, e Torres Vedras, localizando-se a estação terminal desta vila no pátio por detrás da “taberna Venceslau” .
A viagem de “Lisboa a Torres custava 9 tostões em primeira e 7 em terceira; a havia somente um comboio em cada sentido” (CASTRO, António Pais de Sande e, ob.cit., p.96).
A primeira viagem neste percurso demorou 4 horas e 20 minutos, reduzindo imenso a distância entre Lisboa e Torres Vedras, que em diligência rondava as 6 -7 horas.
O administrador do concelho de Torres Vedras presenciou, menos de 15 dias após a inauguração deste transporte, dois incidentes, o primeiro ocorrido no dia 16 de Setembro de 1873, quando dois machos que puxavam uma carroça com vinho, assustando-se com a passagem do Larmanjat, antes de Vila Franca do Rosário, arrastaram a carroça e o carroceiro por uma ribanceira. Os donos da carroça aguardaram pelo comboio na estação daquela localidade juntamente com muito povo, não deixando o comboio seguir, ameaçando de morte o maquinista e o fogueiro e lançando pedras contra as carruagens.
Valeu-lhes a protecção do referido administrador, conseguindo acalmar os ânimos da multidão enfurecida, prometendo interceder perante a empresa para indemnizar o carroceiro pelos prejuízos.
Chegados a Torres Vedras, o maquinista só aceitou fazer a viagem de regresso a Lisboa, programada para o dia seguinte, se fosse acompanhado pelo administrador, o que este acedeu, “attendendo ao mau effeito que produsiria a falta de um comboio com que toda a gente contava”.
Contudo, nessa viagem iniciada por volta das 6 da manhã do dia 17 de Setembro, um novo incidente marcaria a viagem, quando, passando perto da Quinta do Calvel, o comboio descarrilou, caindo “todas as carruagens em um barranco”, ferindo ligeiramente três passageiros, entre os quais o próprio administrador do concelho, tendo-se temido que esse descarrilamento tivesse sido provocado, devido ao incidente do dia anterior, por sabotagem. Contudo, o mesmo administrador desmentiu tal hipótese, atribuindo este acidente ao facto de o maquinista, pouco experiente, “para ganhar o tempo que tinha perdido com uma subida”, ter levado “o comboio a grande velocidade para uma grande descida aonde há uma curva. A machina, apezar da sua grande velocidade poude descer a curva, a por isso não descarrilou, outro tanto (...) não aconteceu às carruagens que, não podendo operar o mesmo movimento” se precipitaram no aterro. Por essa razão só no dia seguinte se realizou a viagem de regresso a Lisboa, não se registando, como se temia, qualquer incidente à passagem por Villa Franca do Rosário (Correspondência expedida pelo administrador do concelho de Torres Vedras para o Governador Civil de Lisboa (Livros de registos e copiadores), Livro nº 2, sem data [19 de Setembro de 1873], in Arquivo Histórico de Torres Vedras, Caixa 12 (1868 a 1883) ).
Muitas vezes, quando o percurso era mais íngreme, os passageiros tinham de empurrar as carruagens para ajudar o "Larmanjat" a subir a ladeira (IVO, Carlos com José Brito Paulo, "Quando o Comboio chegou a Sintra", in História, nº 135, Dezembro de 1990, pp.68 a 75, p.71).
Essas situações, assim como os sucessivos descarrilamentos e avarias, provocaram o descrédito desse transporte, pelo que os passageiros preferiam continuar a viajar em diligência, que se revelava mais segura e mesmo mais rápida, situação descrita, de forma pitoresca, em notícia evocativa daquele transporte, transcrita por um jornal torriense do princípio do século XX:
“(...) Quem, em Torres, se mettia na diligencia, puxada a tres muares bem lustrosas, guiadas pelo Zé das Meninas, tinha a certeza de que, volvidas cinco horas, se apeava mais ou menos derreado á porta do Neves do Rocio.
“A gente sahia d’aquella caixa muito tropego, com um pé dormente e uma caimbra levada da bréca; mas constava, deliciosamente, a integridade do seu systema osteologico e esta venturosa coisa de se Ter chegado a tempo.
“Quem se mettia no Larmanjat não gosava d’estas vantagens. Em primeiro logar tanto se podia chegar, ao Arco do Cego, quatro horas depois da sahida de Torres, como oito, como doze, como ... não chegar, ao menos de Larmanjat.
“E isto porque uma rampa, uma curva, um modesto calhau o fazia descarrilar. Parte do trajecto, mesmo, era feito sobre a porção do leito da estrada que lhe era defezo. A machina, por alguns metros, riscava no macadam como se fosse um arado em terras de cultura. Depois estacava.
“As portas das carruagens abriam-se e sahiam poeirentos, cabisbaixos, rogando pragas, os corajosos passageiros que se tinham abalançado áquella aventura. O comboio já lançára desenfreadamente o convencionalismo dos tres apitos que, pelas quebradas da serra se repercutiam a pedir auxilio aos trabalhadores do campo. Mas emquanto elles não chegavam?!
“ O machinista, o fogueiro, o revisor poderiam lá nunca, elles sós, pôr aquelle monstro no seu logar! E então os passageiros, maldizendo a sua sorte e o duque de Saldanha, despiam as suas quinzenas, os seus fracks e um por outro a sua sobrecasaca (porque vinham tratar de eleições com o governador civil) e todos se arvoravam em troço de operarios, de assalariados d’essa Companhia que lhes tinha cobrado bilhete, que se esforçava por quebrar-lhes as costellas e tratavam de encarrilar, com a pressa possivel, aquella bugiganga.
“É justo dizer-se que um certo amor proprio, ou antes, uma pungente vergonha lhes insuflava alentos. Era o espectro escarninho, a insolente casquinada da diligencia obsoleta mas triumphante, demais a mais munida de guiseiras alacres e trocistas que os esforçava n’aquelle mister de retirar comboios manhosos da via publica. Ella, a diligencia, ia passar, guiada pelo Zé das Meninas, o mão-de-redea eximio, que se haveria de rir a bom rir depois de ter sahido do mesmo ponto, seis horas depois, de mais a mais bem jantado na Venda do Pinheiro ... E depois de os vêr, a elles – os do Larmanjat- a trabalharem como servos de gleba, elle continuaria em seu caminho a dizer facecias aos passageiros da imperial e a lançar chuvas ás lavadeiras de Lousa (...)” (ARANTES, Hemiterio, “O Larmanjat”, transcrito do “Popular” em A Vinha de Torres Vedras, nº 667, 1 de Novembro de 1906)..
Também uma escritora coeva, Angelina Vidal, afirmava, àcerca do Larmanjat, que era raro “o dia em que não acontecia ficar gente ou gado atropelado. Os veículos saíam da linha, o povo queixava-se por essas aldeias fora e a empresa não lucrava vintém. O certo é que os carros das carreiras antigas, um momento abandonados pelo público amador das novidades, voltaram a ser utilizados pelos passageiros que desejavam chegar inteirinhos ao seu destino” (VIDAL, Angelina, ob. cit., p.291).
Com tantas contrariedades a Companhia responsável pela exploração deste transporte acabou por abrir falência, terminando a sua curta vida em 1877.
Em Torres Vedras foi logo em 1875 que cessou o serviço daquele meio de transporte, como se comprova pela seguinte passagem da acta camarária da sessão extraordinária de 24 de Maio de 1875:
"N'esta sessão deliberou a Camara derigir uma representação ao Governo de Sua Majestade, pedindo-lhe promptas e urgentes providencias para que sejam reparados os estragos causados na estrada de Lisboa a esta vila, pelo caminho de ferro Larmanjat, mandando-se levantar os carris e longrinas "(vigas sobre as quais se pregam as travessas dos carris)"que nella assentam e que, visto haver cessado o serviço d'aquelle caminho, de nada servem agora se não para embaraçarem e difficultarem o transito, e para apressarem a completa ruina da mesma estrada(...)" (Actas da Câmara Municipal de Torres Vedras, Livro nº31,sessão extraordinária de 24 de Maio de 1875, f. 88 verso).
A verdadeira "revolução dos transportes" do século XIX em Torres Vedras deu-se apenas em 1886, com o caminho-de-ferro de duplo carril.

(Garvuras Eduardo Frutuoso Gaio, Apontamentos da História dos Caminhos de Ferro em Portugal.; mapaVAZ, Fonseca, Caminho de Ferro em Portugal- História e Técnica de exploração, Lisboa s/d)

Há 140 anos o Governo autorizava o Larmanjat




A Linha do Larmanjat.


Lista dos preços e das estações.


A casa, por detrás do "Venceslau", onde se situava a estação de T. Vedras do Larmanjat.

A porta, por detrás da antiga taberna do "venceslau", da garagem onde ficava o Larmanjat.

4 GRAVURAS e UMA FOTOGRAFIA,  ONDE APARECE O LARMANJAT:






(fotografia)





(ver bibliografia na texto de cima)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Cavaco Silva em Torres Vedras para inaugurar as comemorações do bicentenário das Linhas de Torres



O site da Câmara Municipal de Torres Vedras divulgou esta semana o programa comemorativo do bicentenário das Linhas de Torres.

Uma das grandes novidades é a presença do Presidente da República Cavaco Silva , no dia 11 de Novembro, para a abertura solene dessas comemorações.

O programa é o seguinte:

Novembro 2009 a Novembro 2010
Torres Vedras e as Memórias de uma Invasão: Um "Olhar" Entre Linhas e Fortes
Concurso Fotográfico
Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras
Destinatários: Fotógrafos
Concurso que procura evidenciar o impacto das Invasões Francesas e das comemorações num outro tempo, num outro espaço. Uma abordagem livre baseada nas lógicas de reportagem. No final realizar-se-á uma instalação fotográfica referente ao trabalho de campo realizado.
Info e Inscrições: Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras, TLF.: 261 338 931/2 ou email: geral@ccctv.org


11 Novembro » Quarta » 16h00 às 19h00
Bicentenário das Linhas de Torres Vedras
Inauguração das Comemorações
Praça 25 de Abril e Museu Municipal Leonel Trindade » Torres Vedras

Programa
16h00 » Chegada de Sua Excelência o Presidente da Republica, Aníbal Cavaco Silva, seguida de Cerimónia Militar, com as respectivas Honras Militares e Homenagem aos Mortos
Praça 25 de Abril » Torres Vedras

17h00 » Sessão Solene de abertura das Comemorações do Bicentenário das Linhas de Torres Vedras, com a presença de Sua Excelência o Presidente da Republica, Aníbal Cavaco Silva
Praça 25 de Abril » Torres Vedras

17h30 » Inauguração da Exposição "Guerra Peninsular (1807-1814)"
Museu Municipal Leonel Trindade » Torres Vedras

11 Novembro 09 a 30 Novembro 2010 » Terça a Domingo » 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00
Guerra Peninsular (1807-1814)
Exposição
Museu Municipal Leonel Trindade » Torres Vedras
O Município de Torres Vedras inaugura no Museu Municipal Leonel Trindade a exposição dedicada ao tema da Guerra Peninsular, renovando o olhar sobre esse assunto com especial enfoque para as Linhas de Torres Vedras.

14 Novembro » Sábado » 22h00
Homens e Armas da Guerra Peninsular
Recriação Nocturna
Bares do centro histórico da Cidade de Torres Vedras
Pequenas recriações nocturnas, junto aos bares do centro histórico, com demonstrações do traje e do armamento.
Info pelo TLF: 261 320 749
Organização: Associação Leonel Trindade


29 Novembro » Domingo » 10h00 às 21h00
1.ª Feira da Memória
Recriação Histórica
Salão da Ass. Recreativa e Cultural da Praia da Assenta » S. Pedro da Cadeira
Feira reportada à época oitocentista com a qual se pretende demonstrar a vivência da época no que respeita a costumes, tradições, gastronomia e vestuário. Poderá ainda visitar pequenas bancas com venda de produtos gastronómicos.
Organização: Ass. Recreativa e Cultural da Praia da Assenta

Imagens do Forte de S. Vicente
































Imagens do Forte de S. Vicente











terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nos Duzentos Anos do "Memorando Fletcher" (20 de Outubro de 1809)


Em Outubro de 1809, estando o exército anglo-luso acantonado nas margens do Guadina, Wellington deslocou-se a Lisboa e, na companhia do coronel Murray e do tenente-coronel Fletcher, percorreu durante alguns dias os terrenos a norte de Lisboa (1), deixando instruções para este último, num documento datado de 20 de Outubro de 1809, documento que ficou conhecido pelo “Memorando Fletcher”.

Do seu conteúdo constava o seguinte:

“O grande objectivo em Portugal é a posse de Lisboa e do rio Tejo e todas as medidas terão de ser dirigidas com este objecto em vista. Existe um outro, ligado igualmente com este primeiro objectivo para o qual devemos também prestar atenção, e que é o embarque das tropas britânicas em caso de revés.
“Qualquer que seja a época do ano em que o inimigo possa entrar em Portugal ele fará o seu ataque provavelmente por duas linhas distintas, uma a norte do Tejo e outra a sul; e o sistema de defesa adoptado terá que levar em conta este facto.
“(...) O objectivo dos aliados deverá ser o de obrigar o inimigo, tanto quanto possível a realizar o seu ataque com o corpo do exército concentrado: Eles deverão ficar em todas as posições que o terreno possa permitir, o tempo necessário para permitir que a população rural local evacue as vilas e aldeias levando consigo ou destruindo todos os meios de subsistencia e meios de transporte que não forem necessários aos exércitos aliados; cada corpo do exército deve ter o cuidado de manter as suas comunicações com os outros e a sua distância relativa do lugar de junção”(2).

As intenções de Wellington, com essa recomendação, foram resumidas por Teixeira Botelho, na obra citada, como a necessidade de “escolher uma posição suficientemente ampla para abrigar todas as tropas, quer da primeira, quer da segunda linha, das duas nações, que lhes permitisse ocupar uma situação vantajosa para cobrir Lisboa, séde dos recursos do país, e que não pudesse ser torneada nos seus flancos pelo inimigo, devendo ter uma comunicação segura com o mar, para permitir o embarque das tropas inglesas no caso de revezes sucessivos as obrigarem a êsse extremo”.
Tomada a decisão, Wellington enviou uma carta para o Rio de Janeiro, dirigida ao príncipe regente onde considerava que “o unico corpo organisado, que na peninsula podia manter o campo contra o inimigo commum, era o exercito alliado do seu commando e que sendo por outro lado indispensavel manter a comunicação com o referido principe e com a Gran-Bretanha, tomou por ponto capital do seu plano a conservação da cidade de Lisboa e a do Tejo, cuja posse tão importante era igualmente para o inimigo”. Considerava ainda “que o plano mais seguro, no meio das circumstancias em que se achava, era o da guerra defensiva, que com tanta rasão a prudencia lhe aconselhava como cousa mais salutar por então. Taes foram pois as causas que com tanto acerto o levaram a escolher uma posição em que se podesse com toda a segurança manter. Esta posição não podia deixar de ser effectivamente Lisboa, por ser esta cidade a chave de todos os recursos do reino, por não poder ser torneada pela retaguarda pelo inimigo, e finalmente por ser por meio d’ella, e do seu magnifico porto, que estava em segura e constante communicação com o mar, tanto porque d’elle lhe vinham os recursos de que precisava, como porque por meio d’ella podia effeituar uma retirada para o seu paiz, se porventura algum grande desastre a isto o obrigasse. Alem do exposto, esta posição dava-lhe de mais a mais a vantagem de dominar todas as estradas e caminhos, que a ella se dirigiam; de poder n’ella fortemente intrincheirar-se, e por modo tal, que podesse formar uma praça de armas, onde concentrasse todas as forças defensivas do reino, o exercito, as milicias e as mais tropas irregulares, e onde conjunctamente com os inglezes, estas forças estivessem aprovisionadas de viveres e munições por cero espaço de tempo, entretanto que elle ocuparia o campo de batalha que julgasse mais favoravel para decidir, quando lhe aprouvesse, n’uma acção geral a sorte da capital e do reino, e talvez mesmo que da Europa (3)”.

Uma interpretação mais recente questiona a opinião perfilhada pela “maior parte dos autores”, que defendiam “a opinião errada de serem as linhas de Torres Vedras destinadas a proteger Lisboa. Ora a verdade é que o fim das linhas que Wellington mandou levantar só subsidiariamente era esse. O seu projecto de campanha (...) era tornar praticamente impossível a vida de um exército invasor, destruindo ou transportando para outro ponto todas as produções utilizáveis do País. Assim a região escolhida pelos Franceses para seguirem a sua marcha em Portugal tornar-se-ia numa espécie de deserto, em que o invasor não poderia subsistir”. (...) O Governo Português procurou transportar para fora das suas residências os habitantes da zona em que operavam as tropas francesas, mas (...) a evacuação dessas regiões não foi total (…). Por outro lado, como as tropas inglesas tinham, em regra, mostrado fraca capacidade combativa no continente, Wellington procurava evitar uma acção que pudesse tornar-se geral, comprometendo a existência do seu exército, não só por motivos exclusivamente militares, mas também por causa da política interna da Inglaterra, onde existia um forte partido de oposição ao Governo e favorável à retirada das tropas expedicionárias para a sua Ilha.”.
Esta opinião é corroborada por Norris e Bremner (5), afirmando que em “Outubro de 1809 o plano de Wellington tinha incluído não mais do que uma linha contínua de obras desde Alhandra, no Tejo, até à foz de S. Lourenço (agora chamado Safarujo), no Atântico, com certos redutos e acampamentos fortificados colocados em frente de Torres Vedras, Monte Agraço, Arruda e outros pontos. Não era intenção ocupar estes reductos permanentemente”, mas apenas “deter e estorvar o ataque do inimigo na linha principal na retaguarda”.
Seja como for, Fletcher, depois de receber aquelas ordens por escrito em 20 de Outubro, dirigiu o início da construção das linhas que se iniciaram em 3 de Novembro de 1809 pela construção dos fortes de S. Julião, Sobral e Torres Vedras.

(1) J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 341-342
(2) Excerto do memorando do duque de Wellington para o tenente coronel Fletcher, datado de Lisboa , a 20 de Outubro de 1809, citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.20-21, segundo tradução de Thomas Croft de Moura.
(3) Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 535-536.
(4) Gastão de Mello de Mattos, “Torres Vedras, Linhas de (1810)”, in Dicionário de História de Portugal, vol. VI, 2ª ed. , pp.180 a 182.
(5) A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.14-15, segundo tradução de Thomas Croft de Moura.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

No 30º Aniversário da Cooperativa de Comunicação e Cultura


Estão a decorrer este mês várias actividades comemorativas do 30º aniversário da Cooperativa de Comunicação e Cultura (CCC), uma das associações culturalmente mais inovadoras e dinâmicas da região.
Tendo sido um dos fundadores dessa associação, sou o seu sócio nº 2, recordo aqui um texto,  por mim escrito por ocasião do 20º aniversário dessa associação, e onde se descrevia, em breves palavras, a história da CCC. Algumas partes foram actualizadas.É um ponto de vista.
Outros terão outras histórias para contar, esperando que aproveitem a ocasião para o fazerem.

Tudo começou porque um grupo de então jovens irreverentes de Torres Vedras, que ainda não tinham “arrefecido” do calor da “revolução”, resolveu tornar visível as suas preocupações culturais e sociais, discutidas horas a fio à mesa dos cafés, na casa de uns e de outros, na sede do cine-clube, ou no festival da Figueira. Foi de facto na Figueira da Foz, no intervalo dos filmes, que o “núcleo torriense” de espectadores desse festival, em Setembro de 1978 , começou a delinear esse novo projecto, aprofundado em incontáveis reuniões em casa do Fernando Mouro, mais tarde nas velhas instalações do Convento da Graça, alargando o número de participantes caçados ao nosso círculos de amigos do “liceu”, do “cine-clube”, do “café”, do “Impulso”,...

A construção do jornal “Área” congregou uma geração, hoje entre os “qurenta e muitos” e os “sessenta”, os mais novos então a acabar o Liceu e os mais velhos recém licenciados em início de carreira docente, que tinham em comum um passado recente de activa vivência política e cultural durante os anos quentes de 74-75 e chegaram aos finais dessa década politicamente desalinhados à esquerda.
Editado pela primeira vez em Novembro de 1979, o seu conteúdo e o seu inovador grafismo, que muito deve ao Aurelindo Ceia, representaram uma verdadeira lufada de ar fresco no panorama editorial e cultural local, e mesmo nacional, de então.
Se um dia se fizer uma história rigorosa da inovação do jornalismo nacional após o 25 de Abril, de certeza que o “Área” irá figurar num lugar de destaque.
De publicação mensal, entre Novembro de 1979 e Junho de 1981, editaram-se treze números, sob a direcção do José Eduardo Miranda Santos.
Em 1979, no ano em que surgiu o “Área”, vivia-se um momento de viragem em Torres Vedras, simbolicamente representado pela mudança do título de vila para o de cidade.
Começavam a surgir novas preocupações, reflectidas em muitas reportagens do “Área”, como o ambiente, a expansão dos “mamarrachos”, o desordenamento territorial, a invasão do automóvel, o desenvolvimento da cibernética, temas tratados por este jornal, também nisso pioneiro a nível local, sem esquecer que este foi dos primeiros jornais a nível nacional a alertar para a situação em Timor Leste.
Contudo a realidade acabou por se revelar mais complicada que o sonho. Iniciaram-se as primeiras rupturas pessoais no interior do projecto, inevitáveis quando a paixão era o motor que mantinha a chama do “Área”. A “Cooperativa de Comunicação e Cultura”, que sustentava a estrutura legal do jornal, deparando-se com essa realidade, ganhava um peso crescente, ambicionando outros caminhos, deixando o “Área” de ser o seu objectivo principal.
Duas faces da mesma moeda, “Área” e “Cooperativa...” representaram então duas visões para um mesmo projecto que, infelizmente , se revelaram inconciliáveis.
O “Área” conheceu então uma nova reestruturação, deixando de ser um regular e irreverente órgão de informação local, para se transformar ele próprio num objecto cultural, integrado num projecto mais vasto e ambicioso que apostou num outro tipo de intervenção .
A Cooperativa de Comunicação e Cultura apostou então em actividades mais viradas para o meio, como os célebres e inovadores passeios culturais. Revolucionou o panorama das artes plásticas a nível regional com as actividades desenvolvidas à volta da primeira galeria de arte em Torres Vedras, realizou eventos de grande impacto, como a inesquecível “Performarte”, organizou uma das primeiras exposições nacionais de Banda Desenhada, lançou livros e divulgou ciclos de cinema.
Hoje num novo espaço, com novos projectos, com uma direcção de gente mais nova, a Cooperativa de Comunicação e Cultura, na senda dos seus fundadores, é uma das raras associações que continua a renovar-se, quem em gente, quer em projectos.
Enfrentando hoje novos desafios, saradas feridas passadas, mesmo que à custa de novas feridas, o 30º aniversário da Cooperativa de Comunicação e Cultura deve reflectir sobre os caminhos trilhados no passado para melhor se consolidar como espaço cultural alternativo e inovador no panorama cultural da região.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A "BATALHA" DE DOIS PORTOS (13 de Outubro de 1810)

~
Cena de uma Batalha não identificada durante a Guerrs Peninsular


No dia 9 de Outubro de 1810 o exército aliado chegava às Linhas de Torres, sempre seguido de perto pela cavalaria francesa que o seguia à distância e à vista.
Alguns oficiais e soldados da guarnição das Linhas, a cavalo, aguardavam pelas diferentes unidades para as guiarem para as obras ou localidades que lhes eram destinadas.
Desde o dia 7 ou 8, conforme as fontes, que chovia copiosamente, obrigando as tropas anglo-lusas recém chegadas “a buscar arrebatadamente o abrigo das casas, que pela maior parte estavam abandonadas; então se perderam, e foram preza dos soldados nacionaes, e alliados, os fructos não só pendentes, e mal começados a colher, como vinho e azeite, mas os mesmos recolhidos nos celleiros publicos e particulares, que não eram guardados immediatamente por seus donos, e munidos de sentinellas, chegando o excesso a serem a maior parte das casas despejadas dos seus moveis, quasi todos os cartorios publicos, e particulares parcialmente roubados, o do Escrivão das Sizas, e de um da Correição totalmente destruídos” (1).
Com a chuva, encheu-se rapidamente o lado direito do rio Sizandro “tornando-se pelo lado de Torres Vedras n’um formidavel obstaculo defensivo sobre o flanco esquerdo da citada linha, não lhe restando então em toda ella, desde o Oceano até ao Tejo, mais do que um intervallo de duas leguas e meia, pouco mais ou menos, não fortificado, ao sul do valle de Runa, entre a villa de Torres Vedras e Monte Agraço” (2) .
Entretanto, fustigados pelo mau tempo, as tropas francesas iam-se aproximando lentamente das Linhas, cuja existência desconheciam. “Vinha á frente, comandando a cavalaria de reserva, o general Montbrun, que na manhã de 11, depois de na véspera á tarde ter repelido as últimas fracções do exército anglo-luso, sob o comando de Craufurd (…), mandára reconhecer a estrada em direcção de Vila Franca. O encarregado desta missão, o brigadeiro Pedro Soult, veio imnformá-lo dos fortes entricheiramentos que vira em Alhandra. A exploração feita na direcção do Sobral, Arruda e Zibreira trouxe-lhe notícias análogas, o que levou o aludido general, por sua vez, a informar o comandante chefe, então ainda longe, á rectaguarda, de que tinha na sua frente uma linha contínua de fortes entricheiramentos e estendendo-se até um ponto, para oeste, que não podia ainda precisar.
“Os reconhecimentos continuaram nos dias 12 e 13, ocasionando escaramuças, algumas de certa importância, como a que se travou na vila do Sobral (…)” (3).
No dia 12 de Outubro marchou a vanguarda do exercito francês para Vila Franca de Xira, “tomando lá as posições que julgou convenientes, distribuindo as tropas pela dita villa, por Povos e Castanheira”. O oitavo corpo marchou de Alenquer para o Sobral, apoderando-se desta vila onde, durante a noite, construiu algumas trincheiras para defesa própria, sendo no Sobral que Massena estabeleceu o seu quartel general.
“Para alem de Runa a serra do Barregudo e os fortes que se tinham levantado em Torres Vedras não permittiam ao marechal Massena movimento algum de flanco por aquelle lado, não lhe restando portanto mais que a possibilidade de dispor as suas tropas entre Villa Franca e o Sobral, com a vantagem de que emquanto a testa das suas columas ameaçava as partes mais fracas da linha, podia elle em poucas horas concentrarmtodo o seu exercito no ponto que mais lhe conviesse atacar entre o Tejo e a citada serra do Barregudo. O segundo corpo, continuando a occupar as serras fronteiras da Alhandra, estendia a sua direita até á villa da Arruda, sobre um terreno bastante aberto. Um forte posto de cavallaria, collocado na dita villa, cobria a extremidade da sua direita, ligando-a com o oitavo corpo, cuja frente se achava para diante do Sobral, occupando as menores alturas da citada serra do Barregudo, e guarnecendo tambem as duas margens do rio Sizandro até ás Duas Portas” (sic) “, sobre a estrada de Runa” (4).
É na sequência deste posicionamento que tem lugar, em 13 de Outubro, a chamada “batalha de Dois Portos”.
O combate foi travado entre as tropas de um dos postos avançados das Linhas Torres Vedras, e uma “considerável força inimiga”, que, na tarde do dia 13, avançando sobre o mesmo posto, provocou a batalha. Nela participaram, pela parte aliada, duas companhias do regimento n.ºs 11 e 23 (5). Sabe-se que a posição definida para esses regimentos era, respectivamente, a Portela e a Patameira, entre as posições da Ribaldeira e do Sobral (6).
O registo dessa batalha deve-se à memória anónima de um oficial português que a ela assistiu:
“ Por ordem anterior fomos de madrugada formar para o outro lado da ponte de Dois Portos, a qual, assim como outra que ha do lado direito, estão já minadas para saltarem em caso de necessidade. Sendo já dia claro [13 de Outubro] retirámo-nos para os quarteis. - Pelas duas horas da tarde, tendo-se percebido já que os francezes tentavam algum reconhecimento pelo lado do Sobral, para onde tinhamos as nossas avançadas, principiou-se a ouvir fogo, entre elles e uma avançada ingleza que havia á nossa esquerda: viu-se que um forte corpo de tropas francezas, tomava uma altura junto a um moinho. Eu que tinha sido mandado em observação, dei d’isto parte ao general e ao brigadeiro, e quando elles chegaram era já respeitavel a força inimiga, que se apresentava contra as nossas avançadas. A poucos minutos principiou o fogo com os nossos, pois que os estrangeiros se tinham retirado; e tanto valor mostravam as nossas tropas, que obrigaram os francezes a desistir da tentativa depois de bem destroçados. - Não tive eu a fortuna de tomar parte no calor da acção, porque tinha sido mandado pelo general encaminhar a brigada ao alto da outra parte, pelo caminho que no dia 12 tinha reconhecido para retirada, receiando elle que a isso fossemos depois obrigados. Tivemos a sensivel perda do coronel Harvey commandante da brigada, que na acção ficou ferido, a ponto de lhe ser necessario ir tratar de si com todo o cuidado. Esta perda é geralmente sentida por toda a brigada e mesmo pelos officiaes generaes do exercito. - Á noite tornou o inimigo para as suas antigas guardas; nós não baixámos: fizemos saltar as pontes.” (7).
Ao mesmo acontecimento referiu-se o duque de Wellington nos seguintes termos: “O inimigo atacou hoje [13 de Outbro] os piquetes da divisão do general Cole, ao pé do Sobral, porém não teve muito effeito este seu ataque. Tenho sabido com maior satisfação, que as tropas portuguezas da brigada do coronel Harvey, composta dos regimentos 11 e 23, outra vez se hão distinguido n’esta occasião; o coronel Harvey ha infelizmente ficado ferido, porém espero que o haja sido levemente (...)” (8).
No dia seguinte ainda se registaram alguns recontros esporádicos à volta do Sobral, chegando nesse mesmo dia o grosso do exército francês.
Depressa os franceses se aperceberam da impossibildade de se movimentarem mais para sul, lutando desesperadamente contra a falta de mantimentos.
A situação era descrita por Wellington nos seguintes termos: “As difficuldades que o inimigo experimenta em procurar subsistencias, o que é devido a elle por haver invadido este paiz sem o apoio de depositos, e sem que adoptasse medidas para segurar a sua retaguarda, ou as suas communicações com Hespanha, o tem posto na necessidade de que os seus soldados se extraviem com o fim de procurarem com que se mantenham, e por isto mesmo não passa dia sem que venham desertores e prisioneiros” (9).
Rotos, esfomeados, acossados pela guerrilha, Massena iniciva a 15 de Novembro iniciaram a sua retirada da frente das linhas.

NOTAS:

(1) Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 178.

(2) Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 217-218
(3) J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 415-416

(4) Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 236 e 237
(5) Claudio de Chaby, Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.237-238

(6) Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 222
(7) do diário de um oficial do exército português, iniciado a 31 de Outubro de 1807 e citado por Claudio de Chaby nos Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.245-246

(8) Claudio de Chaby, Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.237-238

(9) “officio do marechal general lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz”, de 20 de Outubro, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº74, pp.190 a192.

domingo, 11 de outubro de 2009

Carlos Miguel renova mandato em Torres Vedras com maioria absoluta



Carlos Miguel viu renovado o seu mandato como presidente da Câmara, com maioria absoluta.




Parece evidente, comparando a votação já conhecida entre a obtida para a Câmara e a obtida para a Assembleia Municipal, que Carlos Miguel vale mais do que o próprio PS.



Foram estes os resultados finaisl no concelho de Torres Vedras:


Para a Câmara:

PS -23 095 votos (61,7%), 6 vereadores eleitos (maioria absoluta) (+1).

PSD/CDS – 10917 votos (28,87%), 3 vereadores eleitos.

CDU – 2824 votos (7,47%), perde o único vereador que tinha, pela primeira vez desde 1976.

Para a Assembleia Municipal.

PS – 20 833 votos (52,22%), elege 16 deputados (+3),

PSD/CDS – 12027 votos (31,8%), elege 9 deputados (-2);

CDU – 3719 votos (9,83%), elege 2 deputados (-1).

Nas freguesias o resultado foi o seguinte:

A-Dos-Cunhados – PS – 7; PSD/CDS - 6

Campelos – PS – 7 (+2) ; PSD/CDS – 2 (-2).

Carmões – PS – 5 ; CDU - 1 (+1) ; PSD/CDS -1 (-1).

Carvoeira – CDU – 5; PS – 2 (+1) ; PSD/CDS – 2 (-1).

Dois Portos – PS – 6 (-1); PSD/CDS – 2 (+1) ; CDU 1

Freiria – PSD/CDS - 5 ; PS - 4

Maceira – PS - 7 (+1); PSD/CDS – 2 (-1)

Matacães – PS- 7 (+1) ; CDU - 1 ; PSD/CDS -1 (-1) ;

Maxial – PS – 7 (+3); PSD/CDS – 2 (-2); CDU- 0 (-1).

Monte Redondo – PS – 4 (+1); PSD/CDS – 3; CDU – 0 (-1).

Outeiro da Cabeça – PS – 4 (-1) ; PSD/CDS – 3 (+2); CDU – 0 (-1).

Ponte do Rol – Lista Independente -7 (-1); PS – 2 (+1).

Ramalhal – PS - 6 (+1) ; PSD/CDS- 2 (-1) ; CDU- 1.

Runa – PSD/CDS – 3 (-1); CDU – 2; PS – 2 (+1).

Stª Maria e s. Miguel – PS – 5; PSD/CDS – 3; CDU – 1.

S.Pedro da Cadeira – PS – 5 (-1) ; PSD/CDS- 4 (+1).

S. Pedro e Santiago – PS – 7 (+2) ; PSD/CDS – 5 (-2), CDU - 1

Silveira – PS – 8; PSD/CDS – 5 .

Turcifal – PS -6 ; PSD/CDS -2 ; CDU – 1.

Ventosa – PS - 5 ; PSD/CDS – 4.

No Aniversário da fundação da Associação de Bombeiros de Torres Vedras


Hoje, 11 de Outubro, comemora-se mais um aniversário sobre a fundação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, acto que teve lugar no meio de grandes festejos (documentados pela fotografia de cima) que tiveram lugar nesse ano distante de 1903.

Aqui registamos as origens dessa associação:

Algumas notas sobre a origem e a evolução da Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras -

1

Entre o final do século XIX e o princípio do século XX assiste-se ao nascimento e desenvolvimento de um movimento de associativismo laico que, não só correspondeu a uma crescente afirmação da sociedade civil, como a uma notória descentralização dos poderes do Estado, fruto da expansão das ideias liberais e democráticas e ainda de um acentuado crescimento urbano, com todas as consequências urbanísticas, culturais, sanitárias e sociais que daí resultaram .
Em Torres Vedras, os serviços que hoje atribuímos aos Bombeiros competiam, em última instância, até à criação daquela associação, à Câmara Municipal.
Isso se pode deduzir quando, por ocasião da fundação da ABVTV, em sessão camarária, se refere a solicitação do “seu [ da Câmara] material d’ incêndios para uso d’ aquelle corpo [de Bombeiros]” (1).
A organização de um serviço oficial de socorro a incêndios está documentada em Portugal desde o tempo de D. João I, quando este expediu uma carta régia sobre o assunto em 25 de Agosto de 1395, dirigida à cidade de Lisboa.
Em Torres Vedras só temos conhecimento de preocupação idêntica em pleno século XIX quando, em sessão camarária de 8 de Agosto de 1872, o Administrador do Concelho, Dr. Manuel António da Costa, presente na mesma, requer da câmara a adopção de “algumas providências para a extinção de incêndios”. Dando seguimento a esse requerimento, a Câmara “deliberou nomear uma commissão para obter donativos, a fim de se levar a effeito a compra de uma bomba e mais utensílios necessários para acudir aos incêndios”.
Para fazerem parte dessa comissão foram nomeados o Dr. Luís António Martins, o prior António Joaquim d’Abreu Castello Branco, José Avelino Nunes de Carvalho e Francisco José de Bastos , ficando a aguardar-se que os mesmos fossem oficiados dessas funções e pedindo-lhes que “se dignassem acceitar por bem do serviço publico” (2).
Se essa comissão chegou a funcionar ou se tomou algumas medidas é assunto que as nossas fontes não permitem esclarecer.
Contudo, não deixa de ser significativo que essa preocupação manifestada pelo administrador do concelho, de nomeação governamental e geralmente em contacto permanente com a capital, seja contemporânea de uma profunda reforma e modernização dos serviços de incêndio em Lisboa, levadas a cabo por Calos José Barreiros, nomeado inspector em 21 de Abril de 1868 e reformado em 1899.
As medidas então tomadas não devem ter passado despercebidas ao dito administrador que as terá procurado implementar em Torres Vedras.
A primeira vez que se manifestou publicamente a necessidade da criação de uma associação de bombeiros neste concelho foi em Junho de 1887, nas páginas do jornal “A Voz de Torres Vedras”.
O motivo foi um incêndio que se registou na madrugada de 2 de Junho desse ano, “na viela chamada de Luís Cardoso, a mais estreita desta vila, onde se achava estabelecido n’ uma casa de proporções muito acanhadas o Restaurant Torreense”, e a dificuldade que os populares enfrentaram para combater o sinistro, com mangueiras em mau estado de conservação.
Após a extinção do incêndio, o Administrador do Concelho reuniu-se com algumas das pessoas que tinham combatido aquele incêndio e “assentou (...) na formação de uma associação de bombeiros, ideia utilíssima e altamente humanitária que estimam ver realizada em breve espaço” (3).
A ideia de criar um corpo local de bombeiros voluntários voltou a ser ventilada pela direcção do Grémio Artístico e Comercial por duas vezes, numa reunião em 18 de Janeiro de 1892 e numa outra, efectuada em 3 de Março de 1898 (4).
Uma nova tentativa teve lugar no ano seguinte, quando Filippe Nery Bally [?] , então a residir na vila, se apresentou na sessão camarária de 13 de Julho de 1899 para dar “as necessárias explicações acerca de um officio que dirigiu à Câmara em 6 deste mês, no qual expunha que desejando formar nesta mesma villa um companhia de bombeiros voluntários, pedia lhe fosse cedido o material de incêndios, pertencente ao Município; ficando a Câmara sem encargo algum, tanto para a installação da alludida companhia de bombeiros, como para reparação do material. A Câmara resolveu encarregar os srns. Presidente e Vice-presidente, de resolverem o assumpto como melhor entendessem”(5).
A tal iniciativa não deve ter sido estranho o facto de, poucos meses antes, se terem dado dois dos maiores incêndios registados em Torres Vedras, um, fogo posto, na “madrugada de 15 de Maio de 1899 na fabrica de gasosas de Cruz & Paiol, instalado no ultimo prédio à saída da vila próximo à ponte da Mentira “ e outro, a 30 de Junho, “no prédio da Viuva Miranda & Filho” (6)
Tais iniciativas não passaram das boas intenções, embora se estivesse cada vez mais próximo do momento decisivo para a concretização de tão premente necessidade.

(1) Livro de actas de Sessões da Câmara Municipal de Torres Vedras (Lº ASCMTV), nº 36 (1901-1909), sessão de 14 de Maio de 1903, f.69, Arquivo Municipal de Torres Vedras (AMTV).
(2) Lº ASCMTV nº 30 (1864-1873), sessão de 8 de Agosto de 1872, f. 279, AMTV.
(3) A Voz de Torres Vedras, Junho de 1887.
(4) COSTA, Emílio Luís, “Emílio Maria da Costa – O Fundador dos Bombeiros de Torres Vedras”, in Torres Cultural, nº 5, 1992, pp.52 a 56.
(5) Lº ASCMTV nº 35 (1895-1901), sessão de 13 de Julho de 1899, f. 232 v, AMTV
(6) VIEIRA, Júlio, Torres Vedras Antiga e Moderna, ed. Livraria da Sociedade Progresso Industrial, Torres Vedras, 1926, pp. 228 e 229.
2

Deveu-se a Emílio Maria da Costa a iniciativa de sensibilizar as elites torrienses de então para a necessidade de se criar um corpo de bombeiros neste concelho.
Natural de Santarém, onde nasceu em 10 de Junho de 1865, e cabeleireiro de profissão, era proprietário em Torres Vedras de “uma barbearia na rua Paiva de Andrada, frente ao actual Café Império, sendo a sua clientela constituída por elementos da melhor sociedade da época”.
Emílio Costa tinha experiência como bombeiro, pois, antes de da sua vinda para Torres Vedras, pertenceu à Corporação dos Bombeiros Voluntários de Santarém(7).”Tanta propaganda fez sobre o assunto, tanto maçou o bichinho do ouvido dos seus clientes e amigos que organizou uma Comissão” para fundar uma associação de bombeiro (8).
Torna-se pela primeira vez pública a existência de tal comissão em 26 de Abril de 1903 quando, num artigo do jornal “Folha de Torres Vedras” é feita “referência a uma petição com grande número de assinaturas, destinada a ser entregue às companhias de seguros e cujo fim procuraria avaliar as possibilidades de comparticipação das mesmas, caso se formasse uma corporação de Bombeiros” (9).
No dia seguinte, 27 de Abril, é distribuído pela população torriense um aviso convocando para uma reunião, marcada para as “8 horas da noite no salão-theatro do Grémio Artístico-Commercial” (10).
Esse documento era subscrito por Theodoro da Cunha, José Maria de Miranda, João Guimarães Júnior, José Joaquim de Miranda e Júlio Vieira.
Theodoro da Cunha era notário da Comarca e tinha sido o primeiro director do jornal “Folha de Torres Vedras”, vivendo na vila e com a idade de 35 anos:

José Maria de Miranda era farmacêutico em Torres Vedras e tinha 44 anos.
João Guimarães Júnior era um conceituado comerciante da vila, então com 51 anos.
José Joaquim de Miranda era um proprietário agrícola da vila com 34 anos.
Júlio Vieira era o mais jovem e também, na actualidade, o mais conhecido de todos, então no início da sua vida social. Tinha apenas 27 anos, era comerciante e editor e administrador do jornal “Folha de Torres Vedras”(11).

Aquela assembleia, presidida por Joaquim José de Bastos, vice-presidente da Câmara, reuniu cerca de 150 pessoas e dela saíram três subcomissões destinadas a criar condições para a formação de um associação de bombeiros.
A cada uma foram atribuídas tarefas distintas: uma destinava-se à angariação de donativos (dr. Aleixo Cesário de Sousa Ferreira, António Agostinho da Silva Henriques, presidente da câmara, Manuel Francisco Marques, dr. Francisco de Carvalho Martins e Manuel José de Paula Guimarães) ; outra à elaboração dos estatutos (Theodoro da Cunha, Júlio Vieira e José Maria de Miranda); a terceira à “organização de festejos e diversões destinadas a criar receitas” (José Joaquim de Miranda, João Ferreira Guimarães Júnior, José Pedro Lopes, José Augusto Cabral, José Rodrigues, José Maria de Almeida Trigueiros e Emílio Maria da Costa)(12).
Dos 17 membros dessa “grande comissão”(13), 16 viviam na vila, 11 pertenciam ao sector terciário (5 comerciantes, 1 barbeiro, 1 escrivão de direito, 1 farmacêutico, 1 advogado, 1 conservador e 1funcionário público), 5 eram proprietários e 1 pertencia ao sector secundário ( 1 alfaiate ).
Pouco mais de metade, 9, tinham menos de 36 anos. As tradicionais elites políticas estavam aqui bem representadas, sendo significativa a presença de personalidades ligadas ao Partido Regenerador, em número de 6, contra apenas duas do Partido Progressista.
Era, contudo, esmagadora a presença de personalidades sem opção política até então conhecida, em número de 9. Destes, em breve, quase metade vai aderir à República.
Através da composição dessa comissão anuncia-se uma recomposição da elite local que tradicionalmente participava neste tipo de iniciativas, quer pela juventude da maior parte deles, quer pelo estatuto social urbano esmagadoramente dominante e renovado pela presença de profissões geralmente marginalizadas da vida social, como as de alfaiate e de barbeiro .
Se é verdade que nela encontramos as mais destacadas figuras que representavam as tradicionais tendências políticas, como o Dr. Aleixo Cesário de Sousa Ferreira, advogado, líder concelhio do Partido Regenerador, ou Manuel Francisco Marques, proprietário, líder local do Partido Progressista, também é verdade que encontramos duas das figuras que vão marcar as novas tendências políticas que se desenvolverão no princípio do século: Júlio Vieira, então apenas com 27 anos, que se destacará em breve como um dos mais dinâmicos propagandistas do ideário republicano e Mário Galrão, então também um jovem de 29 anos, que em breve vai liderar localmente o recém criado Partido Regenerador-Liberal (“Franquista”), e, futuramente, vai ser um dos mais destacados líderes monárquicos anti-republicanos.
Mas uma outra realidade que se afirma com a composição desta comissão é a forte componente regionalista que, ao longo da história local da primeira metade do século XX, se sobrepõe às clivagens políticas, sociais e geracionais quando se trata de construir algo para o bem da comunidade.
Foi este espírito que, desde o princípio, esteve presente nos destino da Associação de Bombeiros Voluntários de Torres Vedras.

(7) COSTA, Emílio Luís, ob.cit.
(8) COSTA, Emílio Luís, ob.cit.; O Torreense, nº 30, 11 de Outubro de 1943.
(9) ROSA, António da Silva, “O Gérmen da Corporação de Bombeiros Voluntários de Torres Vedras”, in “75º Aniversário dos Bombeiros Voluntários”, Suplemento especial do nº1188 do jornal Badaladas, 13 de Outubro de 1978.
(10) ROSA, António da Silva, ob.cit.; “Especial Bombeiros – Um Século de Coragem”, suplemento do jornal FrenteOeste, 30 de Janeiro de 2003.
(11) Dados elaborados a partir do cruzamento de vários cadernos eleitorais de 1908 a 1914, AMTV. Existe uma ligeira margem de erro no que diz respeito às idades de + 1 ano de idade.
(12) ROSA, António da Silva, ob.cit.; “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(13) ROSA, António da Silva, ob.cit; “Torres Vedras e os seus Bombeiros ...”, ob. cit.

3

Reuniu aquela comissão no dia 30 de Abril para tomar algumas das decisões fundamentais para a concretização do projecto.
Uma delas foi a formação de uma direcção provisória presidida pelo Dr. Aleixo Cesário de Sousa Ferreira e assessorada pelo Dr. Francisco Martins, como 1º secretário, por António Augusto Cabral, como 2º secretário, e por Manuel de Paula Guimarães, como tesoureiro (14).
Outra decisão foi a de abrir uma subscrição pública, tendo-se, com essa finalidade, enviado mensagens a várias empresas e personalidades, destacando-se a que se enviou “a Sua Majestade El-Rei D. Carlos (...) solicitando qualquer donativo para tal fim” (15) pedido a que este acedeu doando 20 mil réis (16).
Um dos apoios mais significativos veio do executivo municipal que, em sessão de 15 de Maio, tomou oficialmente conhecimento da solicitação, por parte do “presidente da Commissão que n’esta villa se organisou para promover a creação d’um corpo de bombeiros, n’esta villa, e dotál-o com o material necessario”, da cedência do material de incêndio da Câmara “para uso d’aquelle corpo quando esteja devidamente organisado” e de um “donativo para a compra do que é necessário adquirir e a concessão d’um subsidio annual para as despesas a fazer com a guarda e conservação do mesmo material” .
O executivo municipal “resolveu de bom grado que o material d’incendio que possue fique junto ao que a Commissão vae adquirir, podendo o corpo de bombeiros que aqui se venha a organisar d’elle fazer uso”, decidindo igualmente inscrever “no seu primeiro orçamento” uma verba “não inferior a 60.000 réis annuaes para ser gratificado ou subsidiado o encarregado a quem ficar o encargo da guarda e limpesa do material, aguardando a formação do corpo de bombeiros voluntarios e a approvação dos seus respectivos estatuto para ponderar um assumpto que lhe parece altamente justo e humanitario”(17).
No dia 25 de Junho reuniu-se nova assembleia, presidida por Joaquim José de Bastos onde se aprovaram os estatutos e se autorizou a compra de material necessário (18).
Em sessão camarária de 30 de Julho era lido um ofício do Administrador do Concelho, datado de 27 “do corrente mez, acompanhado do projecto de estatutos d’ Associação de Bombeiros Voluntários que se pretende estabelecer n’esta vila, pedindo à Câmara para infomar o que lhe ofercesse sobre o assumpto”, ao qual o executivo respondeu achar “de toda a vantagem a constituição da referida Associação e muito bem elaborados os seus estatutos” (19).
Os estatutos foram aprovados por alvará de 23 de Outubro de 1903. Eram compostos por 8 capítulos e 44 artigos. O artigo 2o definia como objectivo da recém criada Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras “prestar socorros aos habitantes da villa e outras localidades do concelho, até onde o seu auxílio fôr possível, quer e principalmente nos casos de incendio, quer nas calamidades publicas, taes como innundações, desabamentos, etc.” (20).
Anote-se, a título de curiosidade e como sinal dos tempos que, embora admitindo como associados indivíduos, “sem distincção de sexo ou edade”[Artigo 4º], as “senhoras casadas (...) só poderão ser admitidas como socios, com previa auctorisação por escripto, dada pelos maridos (...)”[Artigo 5º], não lhes sendo permitido participar nas assembleias (Artigo 16º : “A assembleia geral é constituída pelos socios do sexo masculino (...)”) (21).
Entretanto tinha-se encerrado a subscrição pública, que contou com 268 subscritores e um total de 1 247$950 réis de donativos recolhidos (22).
Ainda antes dos estatutos oficialmente aprovados, marcou-se uma grande cerimónia pública para o dia 11 de Outubro de 1903, um Domingo, “solemnisando a chegada e installação, no quartel provisório na rua de S. Thiago, do material já adquirido para Corporação de Bombeiros Voluntários” (23) data que passou a ser considerada como a da fundação desta associação.
Nesse dia “num grande ambiente de festa a que concorreu a Fanfarra União Torreense, chegou à estação de caminho de ferro o material adquirido com a verba” obtida com a subscrição pública. “Choveu todo o dia, mas apezar de tudo, pelas 5 horas da tarde, organizou-se o grande cortejo que conduziu o material para o quartel provisório situado próximo da rua de S. Tiago, seguindo-se pelas ruas Mouzinho de Albuquerque, Dias Neiva, S. Pedro, Serpa Pinto, Paiva de Andrada e S. Tiago”(24).
“Chegado que foi o material ao quartel, onde estavam o sr. Joaquim José de Bastos, vice-presidente da Câmara Municipal, alguns membros da commissão e outras pessoas, a Fanfarra União Torreense tocou o hymno nacional, e por essa ocasião foram levantados vivas à Câmara Municipal de Torres Vedras, Corporação de Bombeiros, povo de Torres Vedras, Dr. Aleixo de Sousa, presidente da commissão, Júlio Cardoso [chefe da contabilidade da Inspecção Geral de Incêndios, que veio propositadamente de Lisboa para assistir a este evento], José Maria de Miranda, etc. Recolhido o material um dos membros da commissão, o Senhor Theodoro da Cunha, proferiu algumas palavras allusivas ao acto, depois do que novos vivas se ouviram”(25) .
Seguiu-se um jantar onde se fizeram “muitos e afectuosos brindes”, organizando-se à noite “uma marcha “aux flambeaux”” acompanhada pela Fanfara União Torreense e pela Filarmónica Torrense (26).
Do primeiro corpo de bombeiros faziam parte Emílio Maria da Costa, este como sócio nº1, Januário Pinto dos Santos, José Augusto Cabral, António Baptista da Costa, João Franco, Francisco Germano Alves, Joaquim Miguel, António Pedro, Miguel da Silva Marques, Casimiro Dimas, José da Costa, Sebastião Menau, José Maria do Espírito Santo, Ubaldo dos Santos, Manuel Ferreira, João Henriques dos Santos, José Miranda, Cândido Ferreira dos Santos, Laurentino da Conceição Santos. Manuel Maria Thomé, João Hypólito Rosa, António da Silva, Ernesto Albino, António Correia dos Santos, Severino António, Joaquim Moleiro, José António, Augusto dos Santos e Oliveira, este como 1º corneteiro, e Joaquim Jeronymo Rosa, encarregado da ambulância (27).
José Maria de Miranda e José Joaquim de Miranda foram eleitos provisoriamente como primeiro e segundo comandantes do corpo de bombeiros no dia 18 do mesmo mês, cargos para os quais foram eleitos em definitivo no dia 7 de Dezembro. Nesta mesma data eram igualmente nomeados “para chefe ajudante o sr. Emílio Maria da Costa, para secretário do comando o sr. António Bastos e para capelão do Corpo de Bombeiros, o cónego prior António Francisco da Silva”(28).
No dia 9 de Novembro é formada a lista para a primeira direcção eleita: Direcção - Joaquim José de Bastos, Theodoro da Cunha, João Ferreira Guimarães Júnior e João Chrysóstomo da Costa; Suplentes da Direcção – José Rodrigues, José Maria d’ Almeida Trigueiros, João Maria Castanho e Manuel Coelho Cláudio Graça; Mesa da Assembleia Geral – Presidente, Dr. Aleixo Cesário de Sousa Ferreira, Vice-presidente, Manuel José de Paula Guimarães, 1º Secretário, António Augusto Cabral, 2º Secretário, Júlio do Nascimento Vieira; Conselho Fiscal – Dr. Francisco de Carvalho Martins, Mário Galrão e Cândido Sousa Nascimento Vieira; Suplentes – Joaquim José Rodrigues da Silva, Caetano Augusto de Figueiredo e Henrique Reis Pereira (29).
No dia 28 de Fevereiro de 1904, por ocasião da Procissão dos Passos, a corporação apresentou-se ao público com o seu uniforme de gala.
Finalmente, para encerrar este primeiro capítulo da história desta associação só faltava instalá-la em lugar condigno.

(14) ROSA, António da Silva, ob.cit.
(15) CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, Contributo para o historial da vida da Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, aquando da inauguração do Novo Quartel, ed. ABVTV, Torres Vedras, 11 de Novembro de 1984, p. 9.
(16) COSTA, Emílio Luís, ob.cit.
(17) Lº ASCMTV nº 36 (1901-1909), sessão de 14 de Maio de 1903, f. 69, AMTV; acta integralmente transcrita em CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.9 , e em ROSA, António da Silva, ob.cit.
(18) CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.10 ; ROSA, António da Silva, ob.cit.
(19) Lº ASCMTV nº 36 (1901-1909), sessão de 30 de Julho de 1903, f. 78, AMTV.
(20) Estatutos da Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras aprovados por Alvará de 23 de Outubro de 1903, 1º ed., s/d, p.5.
(21) Estatutos da Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras aprovados por Alvará de 23 de Outubro de 1903, 1º ed., s/d, pp.5, 6 e 8.
(22) ROSA, António da Silva, ob.cit.
(23) Folha de Torres Vedras, 18 de Outubro de 1903; CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.10; ROSA, António da Silva, ob.cit.
(24) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(25) Folha de Torres Vedras, 18 de Outubro de 1903; ROSA, António da Silva, ob.cit.; CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.10 .
(26) CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.10.
(27) ROSA, António da Silva, ob.cit ; CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.10.
(28) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(29) CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.11.

4

Na sessão camarária de 25 de Fevereiro de 1904 foi “lido um officio da Direcção da Associação dos bombeiros voluntários d’esta villa, fazendo sentir que não tendo aquella Associação casa apropriada onde installar o respectivo material d’incêndio e havendo no edifício municipal dependencias que a Camara não utilisa, lembrava e pedia para alli collocar o seu material”. Dando provimento a esse pedido o executivo municipal “concedeu auctorisação para que na loja e 1º andar onde antigamente foi cadeia e de que a Câmara se não serve, fosse, conjunctamente com o seu material d’incêndios, collocado o d’aquella Associação” (30).
Finalmente, em 26 de Junho, aquela associação instala o seu material naquele que foi o seu Quartel até à inauguração de novas instalações em 1934.
Compunha-se então o seu material “de uma bomba Jank, uma Guiot, uma bomba estanca-rios, um carro de material sistema Guilherme Gomes Fernandes, além de cintos, pás, achotes, baldes, espias, machados, picaretas, etc.”(31).
O primeiro serviço oficial em que o corpo de bombeiros torriense interveio “foi num incêndio ocorrido num prédio da rua Portela (ao Castelo) em 27 de Janeiro de 1905” (32).
Fora da vila, o primeiro serviço de socorro prestado teve lugar em Runa, em 28 de Novembro de 1908, “na casa do sr. Figueirôa Rêgo” (33).
O primeiro serviço registado fora do concelho teve lugar no Bombarral, num grande incêndio em 30 de Agosto de 1925.
Na década de 30 a Associação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras conheceu um assinalável crescimento qualitativo e quantitativo.
Pela primeira vez o número de ocorrências ultrapassou as 10 anuais (em 1938) .
Por outro lado participou activamente nos grandes Congressos dos Bombeiros Voluntários (Estoril, em 1930, Setúbal, em 1931 e 1935, e Covilhã, em 1932) .
Na actividade destes congressos tiveram participação activa e de destaque os representantes da associação torriense, o inspector José Maria de Miranda, os comandantes José Joaquim de Miranda e Joaquim Paulino Pereira , os directores dr. Justino de Moura Guedes e Dr. Alberto Coelho Graça, e o tenente França Borges.
Mercê de tão meritória colaboração nesses congressos, o tenente França Borges foi nomeado para primeiro presidente da Liga dos Bombeiros Portuguesas e o comandante Paulino Pereira para o Conselho Administrativo e Técnico da mesma Liga. A Corporação de Torres Vedras tornou-se ainda o sócio nº1 da Liga.
O mesmo comandante Paulino Pereira teve ainda um papel determinante na organização de várias associações de bombeiros na região, tendo “prestado instrução a todas as Corporações das seguintes localidades: Alcobaça, S. Martinho do Porto, Sobral de Monte Agraço, Bombarral, Nazaré e Peniche”(34).
Também nessa década se introduziu uma novidade, a criação de postos rurais, com base numa ideia lançada pelo Tenente França Borges na comunicação que apresentou no congresso de Setúbal de 1935, intitulada “Bombeiros Voluntários, Agentes de Educação Social nos Concelhos Rurais”.
Defendia-se “que o material antigo da nossa Corporação fosse distribuído pelas freguesias rurais mais distantes”, (35) inaugurando-se em 1936, na Ribaldeira, o Posto Rural nº1 e, posteriormente, no Maxial em 1942, o Posto Rural nº2.
Mas o momento mais importante dessa década foi a inauguração do novo Quartel.
Em 17 de Maio de 1930, o executivo municipal deliberou “construir um edifício próprio para o Quartel dos Bombeiros de Torres Vedras” para cujo fim concedeu um empréstimo de 120.000$00 réis, subscrito por 6 anos sem juros “pelos srs. José António Vieira, Dr. Júlio César Lucas, José Eduardo César, Filipe de Vilhena, João Maria Castanho, José Anjos da Fonseca e José António Lisboa” (36).
Em 1931 estava concluída a planta do quartel (37). Iniciadas as obras as verbas do empréstimo revelaram-se insuficientes, pelo que “a Câmara Municipal foi reforçando sucessivamente as verbas para que o edifício se concluísse. Para ele contribuiu ainda o sr. Governador Civil com a verba de 10.000$00 réis”(38). O novo Quartel foi inaugurado em 1934, sendo baptizado por ocasião do 32º aniversário da corporação, “tendo como patronos respectivamente o sr. António Vitorino França Borges e o sr. Emílio Maria da Costa” (39).
Neste novo Quartel , além “dum excelente balneário e duma espaçosa e higiénica camarata,” existia “uma bem montada rede de alarmes anexa à cabina telefónica que permite, em caso de sinistro, chamar rapidamente ao quartel todos os bombeiros sem que a população da vila seja alarmada ou perturbada no seu descanso nocturno”. Possuía ainda “o mais moderno e eficaz sistema de arrumação dos equipamentos de combate em armários separados mas que se abrem simultaneamente”(40).
Foi no seio desse Quartel, até à inauguração do actual em 11 de Novembro de 1984, que os bombeiros torrienses mais tempo viveram a sua história e é a ele que está ligada a memória romântica que muitas gerações desta cidade guardam dos seus bombeiros.
Dessa memória não resistimos a transcrever uma saborosa descrição de alguém que viveu bem de perto essa realidade, o filho do comandante Paulino Pereira: “Quando pela noite dentro, a campainha retinia no quarto dos meus pais e se acendia uma luz vermelha, intermitente, todos nós ficávamos em sobressalto. Era chamada urgente vinda do Quartel. Se era durante o dia, alguém mais expedito corria à Igreja de S. Pedro ou da Graça para tocar a rebate, espalhando-se o som dos sinos por toda a vila: “Há fogo, há fogo!”... gritava-se. E sentia-se uma certa agitação entre as pessoas que, até aí, circulavam calmamente (...). O velho pronto-socorro “Fiat”, preenchidos os bancos com os primeiros bombeiros chegados ao Quartel, arrancava sem demora. (...) A sirene não se calava, E lá seguiam dispostos a tudo. No regresso, comentava-se então nas ruas, cafés e casas particulares a sua acção meritória” (41).
Da história desta centenária instituição e do muito que Torres Vedras lhe deve, muito ficou por dizer: os inúmeros louvores que recebeu; as muitas visitas ilustres que a homenagearam com a sua presença; a sua importante acção cultural, nomeadamente mantendo uma das mais prestigiadas bandas do país; os muitos torrienses, uns mais ilustres outros mais anónimos, que contribuíram para o seu engrandecimento; as grandes e pequenas histórias de heroísmo e abnegação que se viveram à sua volta.

(30) Lº ASCMTV nº 36 (1901-1909), sessão de 25 de Fevereiro de 1904, f. 94, AMTV.
(31) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(32) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(33) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(34) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(35) CARVALHO, Adão de, PAULO, Joaquim, ob. cit., p.24.
(36) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(37) ROSA, Dr. António da Silva (síntese factual pelo), “Subsídios para a história dos 75 anos da Corporação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras”, in “75º Aniversário dos Bombeiros Voluntários”, Suplemento especial do nº1188 do jornal Badaladas, 13 de Outubro de 1978.
(38) “Torres Vedras e os seus Bombeiros Voluntários – Passa amanhã o 30º aniversário da sua fundação – A sua vida e os seus serviços”, in Alta Extremadura, 10 de Outubro de 1933, p.2 (autor anónimo).
(39) ROSA, Dr. António da Silva (síntese factual pelo), “Subsídios para a história dos 75 anos da Corporação dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras”, ob. cit.
(40) GRAÇA, Alberto, “Bombeiros Voluntários de Torres Vedras”, in A Hora, nº 42, Lisboa 1936, pp.28 e 29.
(41) PEREIRA, J. Paulino, “Bombeiros: a corporação que eu conheci”, in Badaladas, 26 de Fevereiro de 1999, p. 18.