segunda-feira, 31 de agosto de 2009

De Regresso

Estamos de regresso.
Começamos com a publicação das célebres gravuras das Invasões francesas e com um texto, editado por nós no ano passado, sobre mais um aniversário da Batalha do Vimeiro.
Boa leitura.

Há 201 Anos: TORRES VEDRAS E A BATALHA DO VIMEIRO

Há 201 Anos: TORRES VEDRAS E A BATALHA DO VIMEIRO

Na tarde de 17 de Agosto de 1808, os habitantes de Torres Vedras tomaram conhecimento da derrota francesa na batalha da Roliça, nesse mesmo dia, ao passarem pela vila soldados franceses feridos e “ alguns prisioneiros, que aqui vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do Corpo da Polícia."
O grosso do corpo da tropa comandada por Delaborde, abandonou o campo da batalha, aproveitando-se do cair da noite, tomando “a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça [de Montachique]”.
Pela vila de Torres Vedras continuaram a passar, ao longo de toda essa noite, “soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum severo castigo”.
Tomando conhecimento da derrota das suas tropas na Roliça, e prevendo que as tropas inglesas comandadas por Wellesley avançassem pela estrada de Torres Vedras em direcção a Lisboa, Junot decidiu “fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras, entrando nesta vila “com a divisão de Loison no dia 18, mandando ordem a Delaborde, que estava em Montachique, para se lhe ir reunir. Este general chegou a Torres no dia 19.
“Emquanto á columna, que seguia sob o commando de Thiébault, marchava mui lentamente, porque a estrada era pessima, (…), dando logar a um alongamento consideravel, de forma que só a hora adiantada da noite de 17 attingiu Otta.
“(...) Na manha de 20 entrava Thiébault em Torres, mas os diversos elementos da columna foram chegando pouco a pouco.
“Na tarde 20 de Agosto reunia Junot em Torres todas as forças disponiveis”.
A entrada das tropas francesas em Torres Vedras foi descrita em pormenor por Madeira Torres:
“Quando se pensava, que no seguinte dia 18 d’Agosto entraria[em Torres Vedras] o Exercito alliado, esperado com tanto alvoroço, aconteceo ao contrario espalhar-se o susto, e perturbação, pela noticia de que vinha proximo todo o Exercito Francez, e na frente d’elle o mesmo General em chefe [Junot], e que com rigorosas ordens se mandavam apromptar quarteis, viveres, e forragens. (…) Este General entrou com o seu Estado-Maior pelas tres horas da tarde do indicado dia 18, rodeado dos Generaes quasi todos, e de uma forte escolta de cavallaria, a qual se dividio, e occupou logo as entradas da Villa, não se permittindo a sahida d’alguem, sem guia ou passaporte do Commandante da Praça, que então foi o Chefe dos Gens d’armes. Sómente os Officiaes do Estado-Maior tiveram alojamentos, porque os dos corpos ficaram com os mesmos sobre os campos visinhos. Concorreram aqui muitos individuos não militares, uns por empregados, e unidos ao Exercito nas suas diversas repartições, e outros meramente por buscarem o seu abrigo, receosos de serem sacrificados ao seu furor nas pequenas povoações. Ainda que nos armazens existissem alguns sobrecellentes do antigo fornecimento, nada eram para supprir ás urgencias de um Exercito, que se computava em 20$000 sem contar os seus aggregados: por isso foram indispensaveis as requisições violentas para a entrega dos generos necessarios; as quaes para mais prompto effeito se faziam por pregões, ameaçando-se os habitantes que se subtrahissem, com as penas de morte, e do incendio das suas casas, que seriam examinadas”.
As divisões Delaborde e Loisson tomaram posição na vila, ocupando a sua vanguarda o alto de S. Vicente e o alto da forca, enquanto a reserva de Kellerman se estabelecia na rectaguarda .
A cavalaria “explorou activamente, nos dias 19 e 20, todo o terreno para a frente, até estabelecer o contacto com o inimigo”
No dia 20 de Agosto Torres Vedras conheceu as agruras da ocupação por um exército inimigo, registando-se vários desacatos e excessos cometidos pelos franceses nesta vila, descrito mais uma vez por Madeira Torres:
“Na manhã d’este dia” [20 de Agosto de 1808] “alguns soldados extraviados haviam roubado o Convento dos Religiosos Arrabidos do Barro, penetrando até ao Sacrario, e espalhando as sagradas Particulas sobre o pavimento da Capella Mór. Em quanto se commettia este horroroso desacato, tinha o General Junot mandado matar dois mendigos desconhecidos, um d’elles Hespanhol idozo, o outro Asiatico coxo, que foram prêsos como suspeitos de espiões: outro miseravel da mesma fortuna, residente n’esta Villa,” [de Torres Vedras] “ e quasi cego, que estava junctamente prêso, escapou de experimentar igual sorte pela liberdade e vehemencia, com que fallou em sua defeza o Desembargador Vigario da Vara” [Madeira Torres] “chamado por ordem positiva de Junot para interrogar os prêsos, e depôr da sua conducta, e para ser expectador da injusta e barbara morte, que tiveram, sem que fossem convencidos do crime imputado, nem admittidos a algum preparo christão, e nem de modo algum tractados como homens, mas antes como féras pela indifferença e avidez de matal-os: bem facil é de ver, que esta crueldade foi commetida para exemplo, que indicasse como seria castigada qualquer communicação com o Exercito alliado(...)”.
Na tarde desse dia 20, depois de no dia anterior se ter deslocado pela estrada da Lourinhã para avistar a posição e situação do exército aliado, e depois de reunir com os seus generais, Junot decidiu avançar ao encontro do exército britânico “e o resultado foi levantar-se rapidamente a tropa, e começar a marchar depois das cinco horas pela mesma estrada da Lourinhã” .
Enquanto os habitantes da vila de Torres Vedras testemunhavam as movimentações militares do exército francês, entre os dias 17 e 20 de Agosto, noutra zona do concelho, mais a norte e junto do litoral, era o exército inglês que tomava as suas posições:
“Sir Wellesley convergia para a Lourinhã, por saber que as divisões do general Anstruther e Ackland se achavam á vista da costa, alem de uma consideravel frota de navios carregados de provisões, e como aquellas paragens são bastante perigosas, julgou-se obrigado a proteger o desembarque dos recem-chegados, indo para este fim no dia 19 tomar posição no logar do Vimeiro, emquanto o dito desembarque se effeituava a uma legua de distancia do referido logar, na pequena bahia ou sitio do Porto Novo, junto a Maceira, onde desemboca uma ribeira ou pequeno rio chamado Alcobrichel” (sic).“ No Vimeiro o campo de Wellesley era formado pela seguinte maneira: a sua ala esquerda achava-se postada na capella do referido logar, tendo a direita na praia da Maceira. Na ponta d’esta ala achava-se ancorada uma fragata de guerra e uns trinta navios de transporte com barcaças fóra. No dia 20 desembarcára a brigada do general Antruther, que se uniu ao exercito de Wellesley na força de 2:400 homens, e de tarde chegou á Maceira o tenente general sir Harry Burrard. Aos 21 pela manhã cedo desembarcou e se juntou ao exercito inglez a brigada do general Ackland, na força de 1:750 homens”.
Entusiasmado pelo êxito da Roliça, Wellesley palaneou avançar sobre Lisboa “julgando que Junot não tomaria a offensiva e se limitaria a defender o desfiladeiro de Torres Vedras” torneando esta posição, “seguindo uma columna pela Fonte Grada, atravessando a Bordinheira entre S. Mamede da Ventosa e S. Pedro da Cadeira, seguindo pela Freiria e Picanceira, emquanto a mais importante iria pelas Secarias, Coutada, S. Pedro da Cadeira e a Murgeira, onde deixaria uma forte guarda da retaguarda, emquanto que com as restantes forças iria tomar uma posição que impedisse a retirada de Junot por Cabeça de Montachique. Todo este plano tinha sido esboçado em presença da carta que Wellesley possuia dos arredores de Lisboa, e que julgava excellente, assim como das indicações topographicas fornecidas pelo tenente-general C.Stuart”.
Tomando conhecimento da presença de Harry Burrard “a bordo da fragata Brazen nas proximidades de Porto Novo” no dia 20, “foi Wellesley conferenciar com o novo commandante do exercito inglês e expoz-lhe o seu plano” que desaprovou tal plano por considerar “que as forças de John Moore eram insufficientes para fazerem frente a Junot, caso este retirasse por Santarem, e accrescentou que aquelle general já tinha recebido ordem para vir desembarcar as suas forças na Maceira, e que só depois de reunidas todas as tropas é que marcharia sobre Lisboa. Foi em vão que Wellesley se esforçou por convencer Burrard da grande vantagem que havia em tomar immediatamente a offensiva, aproveitando o estado moral das tropas, animadas sobremaneira com o bom resultado do combate da Roliça.
“Burrard não accedeu e Wellesley voltou para o acampamento muito exasperado, increpando violentamente a fraqueza do seu chefe.
“O plano de Wellesley tem sido apreciado de diversas maneiras.
“(...) Tudo nos leva (...) a crêr que a marcha de Wellesley seria muito a tempo descoberta pela cavallaria inimiga e que Junot tomaria as disposições necessárias para ir atacar as tropas inglêsas durante a sua marcha de flanco.
“A columna da esquerda seria facilmente repellida e bastava occupar a posição de S .Pedro da Cadeira, para deter a marcha da columna da direita, que correria o risco de ser lançada sobre o mar.
“O plano de Wellesley era pois temerario e injustificavel, visto que assentava na hypothese do inimigo não conhecer a tempo um tal movimento, e collocava o exercito, no caso d’um ataque, n’uma situação critica tal que, uma derrota importaria a sua perda total”.
A proximidade do exército britânico encorajou os habitantes de A-Dos-Cunhados a terem sido os primeiros do concelho a aclamar o príncipe regente, dois dias antes da Batalha do Vimeiro, como se comprova pela inscrição de uma tábua existente actualmente no Museu Municipal Leonel Trindade, que diz o seguinte:
“ NESTE LVGAR DOS CV-/ CNADOS COM GRANDE/PRAZER E GOSTO FOI O PRIN-/CIPE ACLAMADO EM/19 D AGOSTO/1808 ERA/O ANO QVE CORIA/ SACODIOCE O JVGO/ FRANCES RESTAV/ROVSE A MONAR/QVIA.”.
Entretanto, para não dar tempo a que a divisão Moore desembarcasse em Porto Novo e se juntasse ao exército britânico, Junot saiu de Torres Vedras na tarde do dia 20, como já vimos, “e, transpondo, de noite, o desfiladeiro entre Torres e Vila Facaia, mandou fazer alto ás suas tropas junto desta povoação, na margem direita da ribeira de Alcabrichel, com o fim de lhes dar descanço e permitir-lhes que cosinhassem a refeição da manhã.
“Ás 7 horas, devisava-se, ao longe, das alturas do Vimeiro, uma densa nuvem de poeira, e, ás 8 horas, via-se já distinctamente, apesar do terreno ser coberto de arvoredo, a vanguarda da cavalaria francêsa, que marchava na direcção da Carrasqueira, seguida de infantaria. Ia dar-se a memoravel batalha na qual se decidiu a sorte de Portugal”.
Não é objectivo deste texto a descrição da batalha do Vimeiro, cujo desfecho é conhecido, mas o impacto destes acontecimentos em Torres Vedras, pelo que recorremos mais uma vez à inesgotável fonte que á a obra de Madeira Torres:
“No dia 21 d’Agosto pelas 9 horas da manhãa começou a ouvir-se o estrondo d’Artilharia: no primeiro tempo do combate vieram noticias agradaveis aos Francezes: mas não tardou muito, que lhes chegassem outras, com que se mostraram descontentes, posto que ainda alentados, ao menos apparentemente; enfim correram os boatos d’uma derrota completa, que se viam verificados pelos estragos, e até depois pela propria confissão, dos que se recolhiam do campo. A tropa entrou de noite, [em Torres Vedras] e buscou acampar-se, como antes de ir para a batalha. No dia seguinte viam-se companhias commandadas por um cabo d’esquadra (tal havia sido a carnagem na officialidade): e todo o grande trem d’Artilharia reduzido a tres carretas. Apezar de ser tão vizivel, e avultado o destroço, ainda Junot se occupava com a impostura de fazer illuminar a Villa em aplauso da victoria, e seguindo igual rutina se occupava o impodente La Garde em remetter ao Juiz pela Ordenação , que então servia, um Officio enviando-lhe junctamente o Boletim do Exercito, e recommendando-lhe, que só acreditasse o que elle lhe dizia. No meio de imposturas tão ridicula, não se occultava o temor, confusão e impaciencia de Junot. Elle logo na manhãa do dia 22 chamou ao seu quartel os Generaes, e lhe propoz pedir capitulação, o que foi adoptado (...)”.
A negociação do armistício levou algum tempo, com avanços e recuos de ambos os lados, até a assinatura do incorrectamente designada Convenção de Sintra (seria mais correcto chamá-la de Convenção do Vimeiro-Lisboa-Ramalhal).
“Nos preliminares da capitulação foi o rio Sizandro constituido linha de separação do terreno, em que deviam conter-se os dois Exercitos, e Torres Vedras ficou neutral; assim tanto que o Exercito Inglez se adiantou para as alturas d’aquem Amial (fixando os Generaes os seus quarteis n’esse logar, e ainda mais no do Ramalhal) começou a ser innundada de gente annexa ao Exercito, recebida com vivissimo enthusiasmo, e prazer; e apezar da supposta neutralidade, houve sem demora sinceras, e voluntarias demonstrações de contentamento pela victoria, e communicação dos allidos. As auctoridades da Villa foram logo comprimentar os Generaes Inglezes, e de todas as visinhanças concorriam numerosos ranchos de pessoas, até do sexo feminino a observar o campo da batalha, o admiravel espectaculo do Comboio estacionado defronte do Porto Novo, e a brilhante linha e revista do Exercito alliado.
“No segundo dia em que se disfructava tanto prazer, houve um incidente, que o perturbou, e foi o rumor de que retrocedia o Exercito inimigo, e já se viam as suas avançadas; por cujo motivo as familias receosas das crueldades, que de certo experimentariam, procuraram precipitadamente ao menos a segurança das vidas com a fuga para a retaguarda da linha ingleza. Isto aconteceo perto da noite, tempo ainda mais opportuno para soffrerem saque as casas abandonadas; porém felizmente desvaneceo-se este rebate, e até se escapou do menor roubo, sem que se fizessem por isso muito sensiveis os incommodos de marchar a pé uma grande legoa,e de pernoitar no campo em uma tão bella estação.
“No intervallo em que se arranjavam diffinitivamente os artigos da capitulação, adiantou-se mais o Exercito Inglez a occupar as alturas situadas ao norte da Villa, desde o logar de Sarges até adiante do do Paul, e os Generaes tomaram quarteis nas casas mais proporcionadas. (...) Pelo que temos dicto fica manifesto, que sôbre esta Villa, e seus contornos carregou por dias o pêso de tres Exercitos (contando-se o Nacional por duas vezes, sendo a segunda quando se retirou para as Provincias); e apezar dos estragos causados nos fructos, que ainda se recolhiam, e estavam pendentes, tal é a fertilidade do terreno, e tal foi a particular abundancia d’aquelle anno, que se supprio ao fornecimento da tropa, e não padeceram falta os habitantes.”
O exército francês retirou-se definitivamente de Lisboa no dia 15 de Setembro de 1808, registando-se grandes festejos emTorres Vedras pela restauração do reino “com muitos dias de luminarias, e em seguida a Camara fez celebrar uma solemne Festividade em acção de graças na Matriz de Sanctiago, com mais tres dias de luminarias, prestito pelas ruas com o seu Estandarte (que já dias antes se tinha arvorado nos Paços do Concelho) dando vivas a S.A.R. o Principe Regente”.

Passou mais um aniversário da Batalha do Vimeiro