quinta-feira, 29 de abril de 2010

O "ruivaco-do-oeste" nos rios torrienses.

A edição de hoje do Público, integra uma reportagem sobre o perigo de estinção em que se encontra uma das poucas espécies ainda existentes nos rios torrienses, alertando também para o estado ambiental do Sizandro e do Alcabrichel.
Já noutra ocasião aqui divulgámos um outro trabalho sobre as espécies ameaçadas dos rios do Oeste, que pode ser revista AQUI
Será ainda interessante consultar a lista de espécies de àgua doce que ainda vivem nos rios portugueses AQUI.
Sobre o que se pode fazer ou está a ser feito para salvar o ruivaco-do-oeste aconselhamos ainda a consulta deste site AQUI.
reproduzimos em baixo o artigo do Público:

"Quatro tanques separam o ruivaco-do-oeste da extinção

Por Nicolau Ferreira

In “Público” de 29 de Abril de 2010

O ruivaco-do-oeste integra um projecto para a conservação de peixes fluviais que estão a desaparecer. Nos tanques, a reprodução em cativeiro está a ser um sucesso, só falta poder trazê-los de volta para os rios.

________________________________________

“À saída de Torres Vedras o rio Sizandro já está morto. É um canal de cor acastanhada que se precipita para o oceano Atlântico com rapidez.

Tínhamos sido avisados por Carla Santos-Sousa, uma bióloga de 32 anos. Vinte minutos antes, na estrada que serpenteia o Sizandro a caminho da cidade, entre a passagem de vilarejos, suiniculturas, campos verdes e cooperativas de vinho, a investigadora foi directa: "Querem ver o rio antes ou depois de Torres Vedras? Mau ou mesmo mau?" Mesmo mau.

Não é só o rio poluído, a paisagem é desoladora porque estéril de ideias. É estéril o declive artificial das margens com uma vegetação rudimentar, são inconsequentes as pedras que tentam segurar as margens do rio por baixo de uma ponte. A imaginação dos homens que não consegue fazer melhor.

"É ridículo. Já temos as ferramentas, conhecimento académico e há experiências feitas noutras partes do mundo que se podem aplicar na reabilitação deste rio", desabafa a investigadora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), que estuda há quase dez anos peixes fluviais, enquanto olha para a água incessante a passar. Carla Santos-Sousa é uma das muitas pessoas envolvidas no Projecto de Conservação Ex-situ de Organismos Fluviais em risco de extinção. O ruivaco-do-oeste, das cinco espécies de peixes que estão criticamente em perigo escolhidas para este projecto, é o caso mais preocupante.

O peixe só existe em Portugal, em três rios do Oeste: o Alcabrichel, o Sizandro e o Safarujo. Só em 2005 é que a equipa do ISPA, liderada pelo professor Vítor Almada, compreendeu com ajuda da genética que estas três populações pertenciam a uma espécie que está individualizada do outro ruivaco que existe mais a norte.

Mais cedo no mesmo dia, a montante de Torres Vedras, perto da aldeia Dois Portos, quando Carla nos mostra um Achondrostoma occidentale nas suas mãos, o que ela vê é "uma linhagem independente com cinco milhões de anos de evolução". E tudo se perderá se não for feita a reabilitação dos rios.

O Sizandro que passa em Dois Portos ainda é outro - mais calmo, selvagem e mais limpo, apesar dos canos de esgotos vindos das habitações. A paragem reservou boas surpresas à bióloga, que repete a técnica que já aplicou em dezenas de rios portugueses, de norte a sul. Da bagageira do carro saem umas jardineiras de borracha com botas incorporadas e uma mochila com uma bateria de carro ligada a um aparelho eléctrico. A investigadora vai à caça.


Liga o aparelho a um camaroeiro e solta um fio directamente para a água. Escolhe um fundão à esquerda para fazer a primeira tentativa. "Ninguém toca na água", avisa. Descarga eléctrica. Salta uma enguia para a rede que acaba num balde preto com água. Mais descargas. No fundão, onde normalmente os peixes se protegem no Inverno contra a velocidade do rio e sobrevivem no Verão às secas, nada. "Não há peixes", diz a bióloga, enquanto se ouve uma ovelha a balir para os lados do amieiro que está do outro lado da margem.

Mas não desiste, anda uns metros para baixo e instala-se a seguir a uns mini-rápidos para voltar a fazer uso dos 16 quilos que leva às costas na mochila. Desta vez é diferente e quando olhamos já Carla tem vários ruivacos-do-oeste na rede. "Quando dei o primeiro choque, vieram logo uns 50!" No balde contamos 13, três não aguentaram a descarga e morreram.

A bióloga segura um exemplar e faz-nos uma descrição física da espécie: um adulto alcança uns nove centímetros, tem nas costas um padrão oliváceo que é muito diferente da barriga branca e manchas laranjas na base de todas as barbatanas.

Abril é época de reprodução e só agora é possível distinguir os machos das fêmeas. Carla diz-nos para passarmos o dedo pela cabeça do macho e confirmamos a existência de tubérculos: pontos rijos que aparecem agora e servem para estimular a fêmea. "Aqui está outra fêmea bastante cheia", mostra-nos a bióloga, acrescentando que largam centenas de ovos.

Perguntamos se está contente com o número de peixes que encontrou: "É muito bom, não estava à espera."

Cada curso tem um ecossistema próprio e vive em isolamento. Do ponto de vista biológico, mesmo falando da mesma espécie, quando se perde uma população de um rio, perde-se uma riqueza genética única, que teve uma evolução distinta de tudo o resto.

Projecto com quatro anos

"Cada rio é uma ilha, os princípios biológicos que se aplicam a uma ilha aplicam-se aqui a um rio", explica a investigadora, enquanto devolve ao rio os ruivacos-do-oeste, a enguia e a água do balde e depois de ter medido o oxigénio, o pH, a temperatura, a condutividade e a concentração de oxigénio no rio. Os parâmetros estão bons. "Temos grande disponibilidade de água, daqui a um mês as condições mudam radicalmente." E é tempo de deixar o Sizandro.

Além da poluição, a seca é outro problema que afecta estes rios e a sobrevivência deste peixe. Desde a seca de 2005 que não se encontra o ruivaco no rio Safarujo, que com os seus 20 quilómetros é o mais pequeno dos três cursos de água onde vive a espécie.

Vítor Almada arrancou com a ideia do projecto na sequência da famosa seca de 2005. "O projecto surgiu porque havia espécies que estavam muito em perigo", explica Vítor Almada por telefone, que reuniu à equipa do ISPA o Aquário Vasco da Gama e a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza.

O primeiro passo era garantir a conservação das espécies através da reprodução em cativeiro e garantir a reintrodução no habitat natural, depois de os rios serem recuperados. Além do ruivaco-do-oeste, a boga- portuguesa (Iberochondrostoma lusitanicum), a boga- do-sudoeste (Iberochondrostoma almacai) e duas espécies de escalo que só existem em Portugal, o Squalius torgalensis e o Squalius aradensis.

O primeiro protocolo foi feito em 2006. Às três instituições juntaram-se a Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, a Câmara de Figueiró dos Vinhos e a EDP - a empresa termina a sua ligação com o projecto a 1 de Junho depois de um apoio de três anos. "Temos dinheiro até ao final do ano", disse Paulo Lucas, da Quercus; a partir daí continuam com fundos próprios da associação. "Uma eventual extensão do projecto está dependente de uma candidatura ao Fundo EDP para a Biodiversidade", disse por email Gilda Sousa, do departamento de comunicação da EDP.

Luz no cativeiro

No Aquário Vasco da Gama, subimos até ao terraço do edifício que recicla a água salgada, de onde se avista o Tejo e ao fundo Lisboa. Às 10h30 da manhã, o sol aquece a água dos vários tanques cheios de peixinhos.

Onde é que está o ruivaco-do-oeste? Do lado do rio, no tanque mais à direita, 265 indivíduos nadam num espaço com plantas que filtram a água, lugares para se esconderem feitos de rede e tijolos, vasos cheios de seixos para as fêmeas colocarem os ovos. O habitat mais natural possível dentro de um tanque rectangular com cerca de três metros quadrados.

Fátima Gil está colada ao tanque e remexe as pedrinhas dos vasos. "Uma forma de se dar com os ovos do ruivaco-do-oeste é apalpar as coisas", explica a bióloga, que trabalha no museu há 22 anos. Encontra primeiro um ovo com um aspecto envelhecido, já morto. Procura mais e anos de experiência com a reprodução de peixes em cativeiro não a deixam ficar mal. Colado a um seixo está um ovo pequenino, de um branco translúcido, com um ar decididamente vivo. "Vêem-se dois pontos pretos brilhantes que são os olhos do embrião. Se utilizássemos uma lupa, até se conseguia ver o coração a bater."

O Aquário Vasco da Gama também serviu para Alexandrina Pipa aprender as bases da reprodução em cativeiro, durante o mês que esteve em Lisboa, antes de voltar à aldeia de Campelo, perto de Figueiró dos Vinhos. É aí que ficam as instalações onde se fará a reprodução a longo prazo do ruivaco-do-oeste. Com a ajuda da câmara, que cedeu as instalações, o projecto investiu 35 mil euros para recuperar os tanques da Estação Aquícola de Campelo.

Mais de 500

Encontramos Alexandrina, que é voluntária da Quercus há 12 anos, na estação de comboio da Caxarias. No caminho até Campelo, vai explicando as espécies vegetais da paisagem. Vêem-se muitos Quercus faginea, o carvalho-português que nos últimos 20 anos tem vindo a substituir antigas zonas de cultivo. Mas existem também azinheiras, medronheiros, pilriteiros, além do tradicional pinhal e das manchas de eucalipto, onde Alexandrina diz que já viu veados e javalis.

A ribeira do Alge, que passa por Campelo, uma aldeia com menos de 30 habitantes, alimenta continuamente os viveiros. Na estação, só se ouve a água a correr. "Apostámos mais na recuperação dos tanques do que no edifício", explica a técnica.

Cá fora, há vários tanques muito maiores do que os do Aquário Vasco da Gama. Um deles, com cerca de nove metros de comprimento e três de largura, está pronto para receber a boga-portuguesa que vem do aquário de Lisboa. Só falta a temperatura da água subir mais um pouco.

Os moradores de dois dos nove tanques são ruivacos-do-oeste, um com exemplares do rio Sizandro, o outro do Alcabrichel, que chegaram a 31 de Março de 2009. Já desovaram no ano passado. Há 400 jovens de Alcabrichel e entre 150 e 200 do Sizandro, que ainda não se conseguiram contar. "Eu espero que, se não for este ano, seja para o próximo que se faça a reintrodução destes peixes na natureza", explica Alexandrina Pipa. "Não faz sentido fazer reintrodução, se o local ficar com as mesmas condições que existiam", defende.

À espera do Alcabrichel

Voltámos para o concelho de Torres Vedras, mas agora estamos a torrar ao sol, junto à margem do rio Alcabrichel, um calor insuportável. À nossa frente está parte do troço de 1500 metros do rio que corre por baixo da ponte do Ramalhal, a norte de Torres Vedras, até à ponte da A8.

Paulo Lucas, o responsável da Quercus pelo projecto, aponta para o cano do esgoto de onde corre um risco viscoso e castanho, tira fotografias e desabafa: "Isto é inacreditável."

O projecto da Quercus para a reabilitação do rio Alcabrichel ainda tem que ser aprovado pela Administração da Região Hidrográfica do Tejo, mas deverá avançar.

O futuro do ruivaco-do-oeste vai começar aqui - é esta fatia de 300 metros do rio que vai sofrer uma intervenção de reabilitação.

Mas o líquido castanho que corre constantemente do esgoto e se dissolve no ribeiro, com o cheiro indiscutível de uma suinicultura, compromete tudo. "Há alguma decantação dos materiais sólidos, mas a carga poluente é elevadíssima", explica o ambientalista de 41 anos que trabalha na Câmara Municipal de Ourém. O esgoto é uma fonte de matéria orgânica, faz explodir o crescimento de microrganismos que consomem o oxigénio e tornam inviável a existência do ruivaco. "Já pedimos uma solução para esta suinicultura. Só colocamos aqui os peixes quando o problema estiver resolvido."

Antes disso, contudo, há muito trabalho a fazer. O Alcabrichel é mais um exemplo de um rio encanado. O início dos trabalhos será em Junho: alargar as margens entre seis a sete metros para cada lado; retirar o canavial com cinco metros de altura; plantar salgueiros, choupos-negros, espécies autóctones que criam raízes, filtram o rio e dão sombra aos fundões, que no Verão são a salvação das populações de peixes. No final de Novembro, Paulo Lucas espera ter a primeira fase terminada. Os 300 metros de reabilitação vão custar 50 mil euros e o ambientalista calcula que vão ser necessários mais cinco anos de trabalho e 200 mil euros por ano para o Alcabrichel voltar ao que era, quando se podia tomar banho no rio.

Peixes no lago

O Sizandro vai ter que esperar. Apesar da melhoria da cobertura da rede de esgotos domésticos que passou de cerca de 50 por cento em 2000 para 75 por cento em 2010, só no final de 2011 o vereador Carlos Bernardes, vice-presidente da Câmara de Torres Vedras, espera ter 90 por cento das casas do concelho com os esgotos tratados. Mesmo assim, o tratamento dos resíduos da indústria agro-pecuária continua a léguas do necessário e em 2009 o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos lançou um relatório onde o Sizandro, com leituras feitas já perto da foz, era dos rios mais poluídos do país.

Junto à entrada do rio em Torres Vedras, onde o leito está cimentado, há quem diga que o Sizandro está mais limpo do que era, depois do encerramento da destilaria de Runa, há uns anos. José Anselmo Gregório, um ferroviário de 59 anos, lembra-se de outro rio: "Dantes não estava cimentado, havia fundões onde a malta apanhava peixe. Tomava-se banho no rio." Já voltou a ver peixes na cidade, diz sentado num banco da estação de comboios.

Mostra-nos um pequeno lago ao lado do muro da estação. A água tem uma película de algas verdes. Com uma mangueira afasta as algas e aponta. Um peixe-vermelho grande passa. Ao lado, mais pequenos, com uma cor escura no dorso e brancos na barriga, ruivacos-do-oeste. Estão lá.”

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vedrografias - 1º aniversário

Foi há um ao que iniciámos a publicação deste blog dedicado a Torres Vedras, aos seus acontecimentos, à sua cultura, ao seu património e à sua história.
Hoje este é um espaço razoávelmente consolidado entre os mil blogs portugueses mais visitados, tendo até chegado em certas ocasiões aos trezentos mais vistos.
Tendo iniciado a contagem de visitas apenas um mês depois, calculamos que já fomos visitados por quase sete mil leitores.
Esperamos continuara a corresponder às expectativas iniciais e continuar a contar com a compreensão e a companhia de todos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Santa Cruz - o que o mar modificou.

(Noutros anos uma pequena praia, este ano a Praia Formosa surge com um areal enorme, trazido pelo mar das praias do norte, estas agora quase sem areia)


Este ano as praias de Santa Cruz estão diferentes, pouca areia a Norte, muita mais a Sul.
Dessa situação dá-nos conta uma reportagem do Público deste Domingo, na qual, a propósito da situação em toda a costa do Oeste, refere o seguinte sobre Santa Cruz:

"Oeste  - Praias feridas onde nunca se viu "nada assim"

A areia costuma fugir no Inverno e voltar no Verão. Mas este ano o mau tempo deixou estragos muito profundos
________________________________________

Este Inverno, o mar zangou-se com as gentes de Santa Cruz. É comum que a areia fuja nos meses mais frios, mas depois, quando o calor regressa e ela faz falta, as praias voltam a compor-se. A esperança é a última a morrer, mas aqui, como noutros locais da costa da região Oeste, começa a duvidar-se de que a Primavera possa remediar as cicatrizes do mau tempo.

Ludovina Solipa, 61 anos, está sentada no muro do passeio marítimo. Há 30 anos que frequenta as praias de Santa Cruz, onde tem uma casa de férias. Mas 2010 não está a ser um ano como os outros. "Tenho a impressão de que nunca vi nada assim", confessa, estendendo o olhar pelas rochas descobertas. "A Praia do Centro era enorme, larga. Veja agora..."

Vê-se que algo não está certo. Para começar, uma ravina de mais de dois metros, cavada a pouca distância das estacarias que delimitam o areal, marca os limites do avanço da maré. José Ferreira, 59 anos, está a pescar no meio das pedras. Há três anos que vive na terra e também ele nunca viu "nada assim". A paisagem mudou radicalmente: "Isto aqui", diz, apontando para a laje de pedra que se estende até ao mar, "costuma ser tudo barracas e toldos, no Verão...".

Neste cenário, onde poderão os concessionários colocar as tão procuradas sombras? Um pouco mais a norte, na Praia do Navio, Miguel Fortunato, 37 anos, proprietário do restaurante O Navio, não consegue deixar de pensar nisso. "O mar está a levar a areia para as praias não concessionadas, que se estendem para norte. Há gente a alugar-me barracas, mas eu, se calhar, não vou poder montá-las."

O mar já chegou muito perto do edifício. "Às vezes, nas noites de temporal, venho para aqui. Nunca vi nada assim. Ainda faltam duas grandes marés, pode ser que o mar ainda reponha, só que isso começou a acontecer e agora já está a tirar outra vez. Cheguei a ver pescadores a parar de pescar para apanharem moedas. E um até já tinha um gorro bem fornecido..."

O resto da reportagem pode ser lida AQUI.

Santa Cruz nem sempre foi como a conhecemos. Algumas imagens antigas, abaixo reproduzidas, dão conta disso mesmo:













domingo, 25 de abril de 2010

Torres Vedras e o 25 de Abril - "O Morto era outro"

“1974 cá está aberto em leque, repleto de interrogações, dúvidas, medos, mas sobretudo cheio de verdes esperanças”. Com estas proféticas palavras iniciava o meu pai, Venerando Ferreira de Matos, a primeira crónica publicada no jornal “Badaladas” nesse ano de 1974.

Vivia-se ainda a ressaca frustrante das eleições de 1973, onde mais uma vez a oposição democrática, toda unida à volta do MDP/CDE, tinha sido impedida de, livremente, expor as seus projectos para a construção do país, numa campanha eleitoral onde estava proibido debater a guerra ultramarina, motivo pelo qual aquele movimento acabou por desistir de ir às urnas.

Do lado do governo, a ANP tinha regressado aos “bons velhos tempos” expurgada da incómoda “ala liberal”. Era o fim da chamada “Primavera Marcelista”.

1974 iniciava-se sob o signo da crise política e económica que se reflectia em Torres Vedras, a primeira sob a crise interna do executivo camarário, publicamente evidente pela demissão de um dos seus vereadores, a segunda pela referência subtilmente críticas ao racionamento da gasolina e ao preço elevado desta, motivando até queixas públicas dos choferes de praça.

Contudo, quase sem se dar por isso, apareciam pequenos “sinais” reveladores de que algo estava a mudar.

Pela primeira vez, em várias décadas, surgia propaganda clandestina nas escolas do concelho. As muito participadas e agitadas sessões eleitorais da oposição em Torres Vedras, em 1973, tinham deixado sementes e, regularmente, realizavam-se reuniões clandestinas, cada vez mais alargadas e organizadas.

Em colectividades locais, como no Clube Artístico e Comercial ou no renascido Cine Clube de Torres Vedras, vivia-se um clima de dinamismo e entusiasmo pela criação de alternativas culturais aos limites impostos pela censura e às bolorentas actividades da Mocidade Portuguesa e da Câmara.

Nas páginas do “Badaladas” eram cada vez mais frequentes os textos que, utilizando a necessária subtileza para escapar à censura, iam revelando os “podres” do regime:

“Espectador (não comparsa) das Ténues mudanças que se vão operando nesta terra parada no tempo, sobretudo no campo ainda inexplorado do sócio-político (nota que deixo de lado o económico) olho à minha volta num desencanto quase doentio. A manta de retalhos que é Torres Vedras moderna vai crescendo caoticamente sem rei nem roque, desenquadrada dum plano de urbanização inexistente. Creio que já te disse por outras palavras esta mesmíssima coisa.

“A cegueira dos homens, os interesses de alguns grupos, a tenacidade doentia e repetida de certos nomes que hão-de passar à história local como os coveiros de uma terra que merecia melhor sorte, cheira-se, apalpa-se, sente-se no ar que se respira, discute-se em surdina às mesas dos cafés” (Venerando Ferreira de Matos, in “Cartas a um amigo de longe… - XVI”, “Badaladas” de 19 de Janeiro de 1974).

Nomes como o autor das palavras acima transcritas, mas também um João Carlos, um António Augusto Sales, um Andrade Santos, um Ruy de Moura Guedes, um António Leal d’ Ascensão, um Victor Cesário da Fonseca, sempre incentivados pelo Padre Joaquim Maria de Sousa, director e fundador do “Badaladas”, estavam cada vez menos solitários nesse ano de 1974 no uso dessa arma que era a escrita, para enfrentarem o regime.

Chegados ao mês de Março, o Dr. António de Sousa Dias transcrevia para as páginas do “Badaladas” algumas linhas do livro do General Spínola “Portugal e o Futuro”, grande tema de discussão nesses últimos meses de vida do velho regime, livro cuja edição mereceu, se bem me recordo, uma montra especial na Galeria 70, livraria dirigida por Cristina e Armando Pedro Lopes, local muito frequentado por oposicionistas e onde se realizavam regularmente colóquios, exposições e outras actividades de cariz cultural.

Nesse ambiente, foi sem grandes surpresas que, numa reunião clandestina do núcleo local do CDE, realizada em casa do Francisco Manuel Fernandes, tivemos conhecimento e acompanhámos os acontecimentos do falhado golpe militar das Caldas da Rainha, nesse sábado 16 de Março.

Para quem estivesse atento ao que se passava à sua volta era evidente, a partir daí, que o derrube do Estado Novo era uma questão de (pouco) tempo.

Contudo, quando na noite de 24 de Abril alguns de nós regressávamos a casa, depois de mais uma sessão do Cine-Clube no Teatro-Cine, que costumava ter lugar às 4.as feiras, estávamos longe de imaginar que àquela hora estava já em marcha a tão desejada madrugada.

Só a título de curiosidade, o último filme que vimos durante a vigência do Estado Novo chamava-se “O Morto era Outro”, de Jerry Lewis.

Ver Mais AQUI.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Passam hoje 40 anos sobre a inauguração da actual Escola Henriques Nogueira

No 40 º aniversário da Inauguração do actual edifício da antiga “Escola Técnica e Comercial” de Torres Vedras, hoje Escola Secundária Henriques Nogueira – um percurso histórico pelo ensino “técnico-comercial”


O nascimento de uma ideia

A ideia de criar uma escola técnica e comercial em Torres Vedras surgiu entre a dinâmica classe comercial de região, então agrupada na “Associação Comercial”, quando, numa Assembleia Geral desta associação, realizada em 23 de Março de 1929, a sua direcção propôs a elevação da cota dos associados para se criar um “curso comercial” (CABRAL, Raul , “A Fundação da Escola Comercial (...)”, in Badaladas, 1/10/19529).
Em 1932 concluía-se o regulamento desse curso, mas, devido a várias dificuldades tal iniciativa não vingou, acabando por ser uma outra associação, a “Tuna Comercial Torreense”, a ter o privilégio de, pela primeira vez, instalar um curso com essas características em Torres Vedras.

A Primeira Tentativa

Em Outubro de 1936 a direcção da “Tuna Comercial Torreense” iniciou, na sua sede, o funcionamento de um Curso Comercial de 6 meses onde se ensinavam as disciplinas de “escrituração comercial”, “contabilidade”, “cálculo comercial” e “caligrafia”. As aulas eram nocturnas e foram inicialmente frequentadas por 30 alunos que pagavam uma mensalidade de 60$00. Esta iniciativa teve um percurso algo irregular e, com o tempo, deixou de corresponder às necessidades da época (O Jornal de Torres Vedras, 15/11/1936)..

A Escola Comercial António Augusto Cabral


(edifício onde se localizava a Escola Comercial António Augusto Cabral)

O crescente desenvolvimento comercial e industrial da região deu um novo alento à associação pioneira na idealização deste tipo de ensino, para voltar a relançar os alicerces de uma Escola Comercial, de acordo com as novas necessidades da educação nacional.

Coube à antiga “Associação Comercial”, agora designada de “Grémio do Comércio dos Concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Sobral de Monte Agraço”, a responsabilidade pela abertura, em definitivo, de uma escola comercial, criada por alvará de 10 de Outubro de 1944 (CABRAL, Raul, ob.cit.) .

Foi baptizada como Escola Comercial António Augusto Cabral, em homenagem ao homem que, à frente do município torriense em 1919, tinha sido responsável pela instalação da Escola Secundária e, como dirigente da associação comercial local, dos que mais pugnou na defesa da criação de uma escola comercial em Torres Vedras.

As aulas iniciaram-se em 14 de Outubro de 1944, sendo a escola dirigida pelo Dr. Albarran Grilo.

Em sessão solene de abertura desse primeiro ano lectivo, o professor José Carvalho Mesquita, também docente nessa escola, justificava essa iniciativa e a importância desse novo estabelecimento de ensino, pela necessidade de, num “meio comercial, como o é Torres Vedras” se puder oferecer aos seus filhos o ensino da “técnica comercial”, sem que o concelho “tivesse necessidade de importar os seus contabilistas e guarda-livros”.

Essa escola era então “uma promessa, em betão” que funcionava em “acanhadas instalações”, cedidas pela Escola Secundária Municipal, apenas com “um curso nocturno frequentado por 26 alunos e alguns ouvintes”.

Por isso, e porque os “pedidos de matrícula dariam (...) para abrir duas turmas no 1º ano”, prometia-se para o próximo ano lectivo “novas e mais amplas instalações” e aulas diurnas (MESQUITA, José Carvalho, História do Ensino secundário em Torres Vedras, ed. 1969) .

Iniciam-se aulas diurnas

No ano lectivo de 1945/1946, inicia-se um curso comercial diurno com a duração de 4 anos, tendo-se inscrito 101 alunos, inscrevendo-se, no ano lectivo seguinte, 165 alunos. Os filhos dos associados do “Grémio comercial” pagavam uma propina mensal de 80$00, enquanto os restantes pagavam 120$00.

A reforma de 1948 desdobrou esse curso num Curso Geral de Comércio e noutro Curso de Esteno-Dactilografia. Qualquer destes passou a compor-se de dois ciclos, o primeiro com a duração de dois anos e o segundo de três.

A oficialização da escola comercial

Em 31 de Julho de 1952 a Escola Comercial António Augusto Cabral, até então uma escola particular, foi oficializada, de acordo com a nova lei em vigor, tornando-se Torres Vedras a primeira localidade do país a possuir uma escola particular oficializada, o que permitia aos seus alunos que realizassem os exames na sua escola (Badaladas, 15/08/1952) .

Uma nova valência – O Ensino Técnico

Por essa altura, no início da década de 50, inicia-se um debate nas páginas do jornal “Badaladas” com o objectivo de se criar um curso industrial que completasse o ensino comercial e correspondesse às novas necessidades económicas da região, chamando-se a atenção para o Decreto-Lei nº 36409 de 11 de Julho de 1947 que previa a criação de uma escola técnica em Torres Vedras.

Pressionada pela opinião pública, a Câmara Municipal inicia uma série de diligências par conseguir esse objectivo e, em Setembro de 1956, enviava ao Ministério da Educação um bem fundamentado memorando em defesa da criação de uma “escola técnica” em Torres Vedras.

Propunha-se o município subsidiar com 50.000$00 anuais a formação de uma Escola Industrial e Comercial de Torres Vedras, criada a partir da Escola dirigida pelo Grémio do Comércio.

Propunha para essa escola o seguinte “plano de estudos”:

“1º - Ciclo Preparatório;

“2º - Curso Complementar de aprendizagem e electricidade;

“3º - Curso de formação : - de serralheiro; - Geral do Comércio” (Relatório de Gerência da Câmara no ano de 1956, CMTV) .

A Fundação da Escola Industrial e Comercial de Torres Vedras


(edifício onde foi instalada a "Escola Técnica")

Acedendo ao pedido do município torriense, o Ministério da Educação, através do decreto nº 41258 de 10 de Setembro de 1957, criava a Escola Industrial e Comercial de Torres Vedras, substituindo a Escola Comercial António Augusto Cabral, entretanto encerrada, da qual herdou alunos, professores e respectivos processos.

De imediato se iniciaram as obras de ampliação do edifício municipal situado na Av. 5 de Outubro, onde se localizavam as instalações da “Física” e das “escolas primárias” da vila.

Acrescentado de um andar, aí vieram a ser instaladas, a nascente a Escola Secundária Municipal e a poente a nova “Escola Técnica” , enquanto as escolas do ensino primário eram instaladas nos novos edifícios a sul daquelas instalações.

No ano lectivo de 1958/1959 iniciaram-se as aulas da Escola Industrial e Comercial nas suas novas instalações com 261 alunos, número que quase duplicou no ano lectivo seguinte.

O Actual edifício (actual “Henriques Nogueira”) – do projecto à inauguração.



O rápido crescimento do número de alunos matriculados na “Escola Técnica”, bem como as crescentes necessidades de recursos educativos para desenvolver o projecto desta escola, rapidamente levaram a que se colocasse a questão da urgência em construir um edifício de raiz para o seu funcionamento.

No dia 1 de Fevereiro de 1962 foi apresentado, em sessão camarária, um projecto para as novas instalações, da autoria do professor do ensino técnico Luís Manuel Paulo Ferreira, exposto publicamente no ano seguinte.

Contudo, o início da construção desse novo edifício escolar só teve lugar nos finais dessa década.

Finalmente, no dia 20 de Abril de 1970, era solenemente inaugurado, com a presença do então Presidente da República Américo Tomás, o edifício onde funciona actualmente a Escola Secundária Henriques Nogueira, assim baptizada desde 2 de Abril de 1987 (Portaria nº 261/87, de 2 de Abril de 1987).

Recordamos assim a data que hoje se comemora.

domingo, 18 de abril de 2010

Um roteiro por "monumentos e sítios" da cidade de Torres Vedras

Hoje, Dia Mundial dos Monumentos e Sítios, deixamos aqui uma sugestão de um roteiro pelos mais emblemáticos monumentos e sítios da cidade de Torres Vedras:

TORRES VEDRAS  - PROPOSTA PARA UM ROTEIRO URBANO HISTÓRICO

CASTELO

À sombra da sua muralha nasceu e cresceu o burgo medieval de Torres Vedras. Conquistado (ou negociado) aos mouros por volta de 1148 por D. Afonso Henriques, foi palco de vários episódios da nossa história .

No século XIV, segundo a descrição do cronista Fernão Lopes, Torres Vedras era então “uma fortaleza assentada em cima de uma formosa mota, a qual natureza criou em tão ordenada igualdade como se à mão fosse feita artificialmente” . A vila tinha “uma cerca arredor do monte e na maior alteza dele está o castelo”.

A sua estrutura actual data em grande parte das obras de reconstrução ordenadas pelo rei D. Manuel, situação testemunhada pela porta gótica ogival, datada de 1516, encimada por esferas armilares manuelinas

Já em parte arruinado, mas ainda habitado, o castelo sofreu graves danos com o terramoto de 1 de Novembro de 1755.

Apesar da ruína, voltaria o velho castelo a recuperar a sua importância militar quando, em 1810, foi integrado no sistema defensivo das “Linhas de Torres”.

IGREJA DE STª MARIA DO CASTELO

Sede da mais antiga paróquia da vila, edificada no século XII. Assenta sobre ruínas romanas e visigóticas, sucedendo a uma mesquita .

Da antiga fundação podem ver-se as colunas com capitéis românicos, com símbolos do “cântico dos cânticos”.

Toda a actual estrutura da igreja remonta a obras de restauro de 1662. Tem duas torres de traça seiscentista. Antigamente uma era municipal ( a do relógio) e outra era paroquial (a sineira). Ruiram durante o terramoto de 1755.

PAÇOS DA RAINHA

Foi mandado edificar pela a rainha D. Beatriz, esposa de D. Afonso III, no século XIII. Nele teve lugar do conselho régio de 1414 (24 Julho 1414 ?) onde se decidiu a Conquista de Ceuta que iniciou a expansão marítima portuguesa.

TRAVESSA DO QUEBRA COSTAS

Rua de características medievais, destacando-se o “arco” que une uma casa aos dois lados da rua.

JUDIARIA

Em Portugal D. Dinis, (século XIII), no seguimento dos seus conflitos com o clero, comprometeu-se a obrigar os judeus a morar “apartadamente”.

Em Torres Vedras tal promessa ter-se-á realizado já no reinado do seu sucessor, D. Afonso IV. Os judeus foram expulsos de Torres Vedras em 1499.

IGREJA DE S.TIAGO

Foi reconstruída nos séculos XVI e XVII.

Tem pórtico Manuelino.

Pensa-se que esteve ligada às peregrinações a Santiago de Compostela

IGREJA DE S. PEDRO

Sede de paróquia desde a fundação da nacionalidade foi reconstruída no séc. XVI, datando desta época a sua traça actual.

O seu pórtico manuelino, encimado pelas armas reais (armas com símbolos de Portugal e Castela) atribuídas à rainha D. Maria (2ª mulher de D. Manuel entre 1510 e 1517), é um dos ex-libris de Torres Vedras.

No seu interior merece destaque o túmulo quinhentista de João Lopes Perestrelo e esposa, D.ª Filipa (vinculou a Quinta do Espanhol em 1542, acompanhou Vasco da Gama na sua segunda viagem à Índia em 1502, comandando um navio, e era primo da mulher de Cristovão Colombo).

De destacar ainda o seu rico e variado património de azulejos

Anexa à igreja existe a Casa da Irmandade dos Clérigos Pobres construída entre 1737 e 1769. No seu tecto podem ver-se 4 telas dos Evangelistas (S. Marcos, S. Mateus, S. Lucas e S. João) da autoria de Bernardo de Oliveira Góis e silhar de azulejos do século XVIII, com assuntos tirados da gravuras de Cláudio Coelho .

CHAFARIZ DOS CANOS

Situava-se à entrada da mais importante porta da vila. Dessedentava as montadas, pelo que aí se concentravam várias actividades profissionais como as de ferrador, correeiro e albardeiro.

Data de 1322 o primeiro documento que se refere à sua existência.

Este Chafariz foi reconstruído em 1561 pela infanta D. Maria, filha do rei D. Manuel.

Esta fonte é um monumento onde se encontram elementos de diferentes épocas, mas onde domina a arte gótica.

Existem nas faces das colunas do monumento um conjunto de quatro escudos: “ os da frente ostentando o brasão real que remonta ao século XIII, sendo com toda a probabilidade do reinado de D. Afonso III, e os dois laterais da mesma época, representando em três castelos de linhas severas, sóbrias de atavios, o velho brasão da antiga Turribus Veteribus.” ( SALINAS CALADO).


Destaque ainda para o interessante conjunto de gárgulas góticas que decoram este monumento.


CONVENTO E IGREJA DA GRAÇA

A sua construção teve lugar ao longo do século XVI para substituir o velho convento dos eremitas calçados de S. tº Agostinho.

No lugar onde foi construído este segundo mosteiro existia a gafaria de St.º André, cujo terreno foi doado à ordem agostiniana de Torres Vedras, por alvará de D. João III, datado de 26 de Setembro de 1542, para aí se construir este novo convento.

Em 1588 foi prior deste convento Frei Aleixo de Menezes, cuja vida está documentada nos azulejos do século XVIII do claustro.

Por decreto de 30 de Maio de 1834 foi extinto o convento da Graça e os seus frades foram expulsos.

De estilo renascentista, existem no seu interior várias capelas

Na parede da Capela-mor existe um nicho com o primitivo túmulo de S. Gonçalo de Lagos, padroeiro de T: Vedras, que foi prior do primitivo convento desde 1412 e falecido em T. Vedras em Outubro de 1422.


... um Bom Passeio!